A perda de seis pontos imposta ao Cruzeiro na Série B é um recado da Fifa sobre o perigo de acumular dívidas com transferências internacionais. O clube carioca que mais se aproxima de ter dor de cabeça semelhante é o Fluminense. Claro que há uma diferença considerável em termos processuais e de valores em relação aos mineiros, mas é que o tricolor passou a ser cobrado na instância internacional por uma dívida com o Boston River, do Uruguai.

Segundo o site NetFlu, o Fluminense não pagou pelo empréstimo do goleiro Guillermo De Amores, que passou pelo clube em 2018 e foi atormentado por lesões. A dívida original foi na casa dos US$ 200 mil (na cotação atual, R$ 1 milhão). Procurado, o clube não comentou.

O tricolor tem outro caso tramitando na Fifa. A ação foi movida pelo Independiente del Valle, referente às transferências de Sornoza e Orejuela, em 2016. A costura do Fluminense foi um acordo para parcelar US$ 3,75 milhões (R$ 18,3 milhões) até o fim do ano e evitar mais dor de cabeça.

Exemplo mineiro

O caso do Cruzeiro é emblemático porque traz um alerta ao mercado brasileiro que não está acostumado a perder pontos pelas dívidas acumuladas. E mais: é preciso ficar atento aos boletos vencidos porque as punições são cumulativas.

? Se pagar 0h01, após o prazo, perde mesmo assim. Não adianta chorar depois. Todas as decisões são informadas às CBF. A Fifa pede para que a associação nacional informe que os pontos foram tirados, sob pena de sanção à entidade por descumprimento ? conta o advogado Marcos Motta.

A perda de pontos do Cruzeiro veio em um processo do Al-Wehda, dos Emirados Árabes Unidos, que emprestou o volante Denílson e não recebeu ? 850 mil (R$ 4,7 milhões, atualmente). A ação ainda corre, e o clube mineiro tenta acordo com o credor para não receber pena mais pesada no futuro. A nova gestão cruzeirense também se livrou momentaneamente de uma dor de cabeça: a cobrança por uma das parcelas da transferência de Willian Bigode, junto ao Zorya, da Ucrânia.

A punição veio após cerca de quatro anos de tramitação. Em geral, a disputa vai para a Fifa porque ela é a instância escolhida pelas partes para mediar conflitos.

Inicialmente, as demandas entre clubes são analisadas no Players? Status Committee. Nele, o mérito é julgado. Mas todas as decisões são passíveis de recurso à Corte Arbitral do Esporte (CAS), na Suíça, que também precisa cumprir seu rito processual. Superada essa etapa, o caso vai para o Comitê Disciplinar da Fifa. É lá que o calo aperta e onde o Cruzeiro perdeu pontos.

O clube devedor, ao longo do tempo, vê a dívida original crescer graças a juros e multas. Para os brasileiros, o fator cambial é complicador. A operação fechada em 2015, por exemplo, com o dólar da época, fica mais cara nos valores atuais. Passa a contar o câmbio do dia em que o pagamento é feito.

Em Minas, o Atlético-MG também precisou acelerar para quitar, no limite, o pagamento de uma dívida com a Udinese por Maicosuel. Breno Tannuri é advogado dos dois grandes mineiros.

? Os clubes precisam ter um pouco mais de zelo com o patrimônio. Mas o cerne da questão foi antes do coronavírus. No Brasil, os clubes não conseguem empréstimos em banco. Quem dava o fluxo eram os investidores, pessoas que traziam o fluxo de capital. Quando a Fifa acabou com o TPO (third-party ownership, em 2015 ? propriedade de terceiros nos direitos econômicos), os clubes ficaram órfãos ? afirmou Tannuri.

No âmbito nacional, a falta de pagamentos entre clubes é resolvida na Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD). Mas os clubes não estão sujeitos a perda de pontos porque a pena não consta no regulamento do órgão. Para casos graves e reincidência, a CNRD costuma, por exemplo, proibir um clube de registrar novos jogadores. É a pena atual dada ao Sport.