No momento em que Ana Moser falava ao GLOBO, o Esporte pela Democracia somava 146 integrantes. Há uma semana, quando a iniciativa foi anunciada, eram 17 membros. E novos interessados em participar não param de surgir. Hoje, o movimento conta, entre outros, com atletas (em atividade e aposentados), jornalistas, músicos e cineastas. O objetivo é canalizar as forças para pautas ligadas ao esporte, uma área com dificuldades históricas de se organizar enquanto grupo. E, claro, aderir às vozes que combatem o racismo e as ameaças à democracia.

Como surgiu o ?Esporte pela Democracia??

Começou com um incômodo grande com a morte do George Floyd e tudo o que ela ocasionou nos EUA e no Brasil. Foi bem depois do (assassinato do) João Pedro. Só aí começamos a falar de esporte. O (Walter) Casagrande falava com a Isabel, e ela veio até mim. Ele trouxe a Fabi (Alvim). E eu, a Joanna (Maranhão). Entraram o Igor Julião e o (José) Trajano. Veio muita gente de cultura, jornalistas e outros esportistas. Cada um foi falando uma coisa e, assim, fizemos o manifesto.

E para onde o movimento vai?

Esse manifesto pela democracia, antirracista, sobre as questões do meio ambiente e indígenas é um grito de angústia por querermos participar. Conseguimos consolidá-lo em torno de um grito de “não estamos contentes, queremos falar?. Há muitas ideias aparecendo. É possível que haja pautas que não digam respeito a todos. Mas ali é para buscarmos engajamento em pautas mais específicas do esporte. Precisamos fazer sua defesa. Como fez a cultura. É importante ter o setor organizado.

A ideia sempre foi ter signatários de outras áreas?

Isso aconteceu. Mas nossa questão de origem é buscar a participação do esporte. Quem é mais engajado na área se incomoda porque não há engajamento e as tentativas acabam ficando no caminho por várias questões. Seja de patrocínio… Para quem está na ativa é muito mais difícil. Mas mesmo quem não está tem algo que o limita. O esporte é um meio restrito, pouco lugar para trabalhar. As pessoas têm um certo temor de retaliação. O grito é também neste sentido. Porque começou com meia dúzia de atletas. E outros tantos já se juntaram.

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Entre os participantes ligados ao vôlei, a maioria são ex-atletas. É mais difícil obter adesão de quem está na ativa?

É muito difícil. Por vários motivos. Seja por uma condição pessoal, por não entender do assunto e aí não querer se meter, até a questão de medo de represália. Porque o esporte é um meio conservador em todos os sentidos, em várias frentes. No vôlei, por ser um esporte coletivo, isso é até mais diluído. Mas nas modalidades individuais há um risco muito grande de ter represália. Isso historicamente é uma verdade.

Alguém já se negou a participar do movimento?

Não claramente. Até porque não chegamos em ninguém. Foi uma coisa mais na base do “Eu quero”. A gente não foi à caça. Mas, de uma maneira ou de outra, há gente entrando e ouvindo mais do que falando. Tem gente que não ficou porque já tem dificuldade para lidar com isso na vida pessoal. A gente sabe que a disputa ideológica está muito presente na vida das pessoas.

O Esporte pela Democracia pode se unir a movimentos como o “Juntos” e o “Somos 70%”?

O Raí (um dos membros do Esporte pela democracia) participou do Juntos logo de cara. Eu assinei depois. E ele já foi divulgado dentro do nosso grupo. Mas não tem nada além disso. Quem quis assinar, assinou. São movimentos e pensamentos convergentes.

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Alguns críticos dizem que não cabe ao esporte se envolver em discussões políticas. O que você tem a dizer?

O esporte faz parte da sociedade. E todos na sociedade fazem politica no dia a dia. Como não ter posicionamento se no mundo inteiro é assim? Tivemos o João Saldanha, a Democracia Corintiana… Imagina se ela não é uma inspiração? Só não colocamos a foto dos caras porque senão afastaríamos outras torcidas (risos).

Nas redes sociais, Neymar foi pressionado a aderir aos protestos antirracistas. Atletas influentes como ele são obrigados a se manifestar?

Ninguém é. Mas acho que nosso tempo pede uma participação maior. Não omissão, não isenção. Há questões que enfrentamos no mundo de ordem sanitária, econômica e social que pedem participação. E a solução precisa vir de todos. É muito neste sentido que as cobranças têm aumentado. Mas vai sempre haver quem fala e quem não fala. Cada um tem seu tempo.

Vocês chegaram a procurar os clubes para assinar o manifesto? O espaço está aberto a eles?

Estamos falando com pessoas. Não é algo tão insitucionalizado.

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Como vê a forma do governo federal tratar o esporte?

As instituições buscam resolver seus problemas. Comitê Olímpico, de clubes, ONGS, clubes financiados por lei de incentivo. Isso está funcionando. Independentemente de ter política pública, isso acontece por si só. Mas os profissionais de educação física, as escolinhas, a base, os treinamentos e competições de menores não têm previsão de voltar. Aqui no Brasil não se pensa nisso. De maneira geral, não há um plano de país. E no esporte, menos ainda. É meio salve-se quem puder.

Está preocupada com o futuro do esporte no curto prazo?

O esporte de alto rendimento vai voltar, com certeza. Com menos times, porque tem aqueles que não vão aguentar. Com menos atletas, menos etapas e, muito provavelmente, sem público. E ele vai voltar em nível regional com mais tranquilidade do que internacional, por causa dos longos deslocamentos. Mas, para funcionar, este tipo de esporte vai precisar de muitos testes. A cada 14 dias. E de um controle muito grande com o distanciamento das pessoas envolvidas. Então vai aumentar o custo de realização. Porque não vai poder não ter segurança para os participantes. Vai pegar muito mal. Você consegue flexbilizar para a população. Mas num nicho com tanta visibilidade como o esporte, não vai conseguir. É preciso ter uma visão do que se quer viabilizar no esporte. Vai haver menos patrocínios. Então vai ser preciso canalizar recursos pra viabilizar estas competições.

Mas e o resto? Tem que se cuidar muito e ter consciência do que se quer para o futuro. Porque você não vive só do alto rendimento. Precisa ter renovação, cultura da prática motora. Esporte e educação física para a populaçao em geral é saúde, é ação preventiva. Para a própria pandemia. E não há ninguém olhando para estas questões  como política pública.