Após quase cem dias sem futebol por conta da pandemia da Covid-19, os clubes brasileiros seguem sem apresentar ideias consistentes para expor a própria marca e a de seus patrocinadores. Tanto que alguns ficaram sem receber valores referentes a contratos vigentes na atual temporada ou viram as empresas rescindirem os acordos. Octávio Fragata, Professor de Negociação e Resolução de Controvérsias da Fundação Getúlio Vargas, explicou como superar o desafio para a manutenção de receitas.

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Confira a entrevista

O que os clubes podem fazer para continuar expondo os patrocinadores e não perderem receita ?

Essa primeira pergunta é justamente o coração do problema. O que é a natureza do contrato de patrocínio? Envolve um pagamento financeiro cuja contraprestação é a exposição da marca, seja no uniforme, no ônibus, no meião no braço etc. Diante da ausência de competições, essa contraprestação é reduzida e quase anulada. Então, se não tem contraprestação, o que acontece com o contrato? Você vai deixar de pagar? Afinal de contas, não está tendo a contraprestação. De certo modo, faz sentido esse argumento. O problema é que isso seria devastador pra todos os segmentos e a natureza do contrato de patrocínio passa justamente por esse senso de parceria, essa identificação. Abandonar o parceiro é algo que vai ser visto com muita negatividade justamente pelas pessoas com quem você busca dialogar e com quem você busca expor sua marca.

– Então, sem competição, o que os clubes podem fazer?

Bom, tem várias alternativas. A primeira delas é sentar com o outro lado e conversar, porque em tese você tem um problema contratual, que é o volume de exposição, a própria exposição etc. É preciso encontrar mecanismos de continuar expondo a marca. Então, por exemplo, você pode, como foi feito por alguns jogadores no exterior, fazer algumas brincadeiras. Cada dia você posta um desafio, por exemplo: o Gabigol colocaria o desafio da embaixadinha. Ele faz um embaixadinha, um truque e desafia algum outro jogador para fazer a mesma embaixadinha. Essa é uma maneira de continuar produzindo conteúdo.

A fórmula 1 criou um campeonato virtual entre os pilotos. Isso é muito interessante porque o fã aficionado continua assistindo, continua torcendo para o seu piloto e para a sua equipe favorita. Essas são alternativas para continuar gerando engajamento com o público. A verdade é que as redes sociais são um grande movimento de marketing hoje em dia, principalmente diante da pandemia onde você não pode ter agrupamento. As mídias sociais são o grande mecanismo de marketing, então explorar a mídia social é o caminho mais óbvio e mais claro pra ser feito.

– Os contratos de patrocínio podem ter algum tipo de cláusula que preveja a interrupção diante de situações como a que vivemos hoje?

Sim, os contratos podem ter uma cláusula de força maior ou caso fortuito. Muitos têm, mas essas cláusulas normalmente são descritivas das situações em que se enquadram nesse conceito de força maior e caso fortuito. O que a gente tem visto ? a gente tem visto diferentes contratos, diferentes setores ? nenhum contrato, previu pandemia ou uma situação como essa de distanciamento social, cancelamento das competições etc. Então, embora vários contratos prevejam e contenham cláusulas de caso fortuito ou força maior, mesmo os contratos que preveem, não tinham disciplina focada numa situação como a que a gente está vivendo. Mesmo numa situação como essa você tem ainda a discussão. Parece que um contrato da Vitória Secrets se desenvolveu quando começou a ter um cheiro de pandemia na China. Eles previram o impacto de força maior na precificação e não resultado da empresa. E eles isentaram isso do preço e pelo que eu me lembre foi o único contrato que de fato conseguiu identificar uma situação como a que a gente está vivendo e isso porque ele foi assinado depois de já ter começado o impacto da pandemia.

– As equipes podem exigir o recebimento dos valores em contrato mesmo sem a realização de jogos?

O contrato de patrocínio é um pagamento financeiro mediante a contraprestação de exposição da marca. Essa é a regra geral. Ausente a contraprestação que é a exposição da marca, uma empresa, por exemplo, estaria justificada de não efetuar o pagamento em função do inadimplemento do outro lado. O problema é que, numa situação como a que a gente está vivendo, chegar a esse ponto de não pagar etc, é ruim para os dois lados. Aí entra um pouco uma discussão bastante interessante que é solidariedade das perdas. Todo mundo num momento desse como o que a gente está vivendo, que é extraordinário pra todos, tem que explorar a possibilidade de acomodar essa situação. Então, o que pode ser feito? Essas alternativas, como exposição em mídia social, são alternativas que permitem, pelo menos, cumprir um pouco da contraprestação que é a exposição da marca. Como isso vai impactar preços e se vai impactar preço, o pagamento financeiro, é algo que tem que ser analisado no caso a caso. Normalmente, você consegue construir uma situação em que você evita chegar num extremo. Então é sempre algo que tem que ser pensado com muita cautela.

– Há alguma legislação específica que dê respaldo para que os clubes não fiquem sem suas receitas?

Via de regra, o contrato é estabelecido pra ser cumprido. Então, se tiver um cronograma de pagamento, o clube pode exigir que esse pagamento seja cumprido na data estipulada. O problema é que a legislação que existe, na verdade, defende uma tese contrária. O artigo 393 do Código Civil, por exemplo, fala que se tiver constituída uma situação que possa ser configurada como força maior ou caso fortuito, você está quase que isento dos juros e mora pelo atraso no cumprimento. E você ainda tem um artigo que te possibilita, nos contratos de longa duração ou de execução continuada… se você tem uma situação de um enorme desequilíbrio de uma parte pra outra, com extrema vantagem pra uma delas, você tem a possibilidade de pedir a sua rescisão. Isso seria o pior dos mundos, porque afinal de contas, você terminaria justamente aquele investimento que foi feito de marca e tudo mais. Seria ruim para os clubes e para as empresas. Via de regra, tem a tese de que os contratos precisam ser respeitados, os cronogramas de pagamento, de financiamento previstos devem ser cumpridos. O problema é que a legislação, diante de uma situação anormal como essa, prevê justamente o contrário, que é a possibilidade de você flexibilizar esse rigor contratual diante dessa pandemia.

– Que tipo de comparação pode ser feita entre o cenário do Brasil e da Europa em relação a manutenção de patrocinadores?

O mercado europeu tende a ter relações mais maduras, tanto com os torcedores quanto com os patrocinadores. Os patrocínios tendem a ser de longa duração, por vários anos, Assim como os torcedores, que compram ingressos pra temporada inteira, os famosos season tickets. Eles têm relações que, no tempo, permitem acomodar um eventual desequilíbrio como esse. Aqui no Brasil os contratos são quase que emergenciais. Eles são mais imediatos. Então, tendem a ter um prazo de curta duração. Normalmente o contrato de patrocínio é pra um campeonato, pra seis meses. Então isso acaba expondo um pouco mais a o mercado brasileiro a essa tensão relacionada a esse investimento. Nunca é demais lembrar o caso do Santo André, em São Paulo. Ele tinha um orçamento fechado pra competir o Campeonato Paulista. Na suspensão do campeonato, tudo em torno desse orçamento foi suspenso. Isso suscita a tensão entre a empresa e o clube, entre todos, na verdade.

– A utilização quase que unânime das redes sociais para expor os patrocinadores é hoje a única solução para manter a visibilidade durante o período sem treinos e jogos?

A mídia social não é a única alternativa. Há várias outras. Claro que a mídia social talvez seja mais óbvia delas. Mas você tem, por exemplo, a economia social tipo compre um ingresso agora e usufrua quando voltar o campeonato. Pode fazer outros tipos de campanha, como, por exemplo, a assinatura de camisa. Você coloca os ídolos dos clubes, que tão logo retorne, ele assinam as camisas e você vai lá presenciar. Ou compre a camisa autografada por todo por todo o elenco, durante esse período. Tem várias alternativas que podem ser exploradas tanto para gerar conteúdo como quanto para outros caminhos.

– Como acha que o advento das lives pode ser usado no futebol e no esporte em geral, como a música usou?

Sobre lives, não é possível ter aglomeração. Então vai ser difícil um treino, um amistoso. Mas você poderia, por exemplo, colocar os treinos individuais de jogadores. Com os jogadores usando a camisa, com painel com logos dos patrocinadores. Você poderia fazer entrevistas como nos programas de televisão, um bate papo. Tem muito caminho pra ser explorado e que você não vê sendo explorado. Você vê alguma iniciativa de alguns canais de televisão reprisando jogos clássicos ou corridas clássicas, mas a verdade é que você não vê essa iniciativa dos clubesSbod>>