Talvez contribua o fato de não ser a liga mais estelar da Europa. Mas, certamente, o  sucesso de Jorge Jesus no Flamengo faz com que as áreas técnicas despertem, no torcedor brasileiro, o principal ponto de curiosidade no Campeonato Português, que retorna hoje após a pausa provocada pela pandemia. Afinal, buscar um “novo Jorge Jesus? pode parecer uma receita de sucesso no futebol do Brasil. Mas onde procurar?

Primeiro, vale lembrar que tudo depende do tipo de futebol que se deseja ver o time jogar. Nem todos os treinadores portugueses jogam ao estilo de Jesus. Tampouco com a mesma qualidade de trabalho.

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As referências mais óbvias não servem. Seria natural olhar primeiro para Porto e Benfica, que disputam o título palmo a palmo ? 60 pontos para os dragões e 59 para os encarnados. Mas a distância dos dois gigantes em relação aos demais parece ter muito mais a ver com a realidade econômica do que com grandes trabalhos de seus treinadores. O Porto não chegou sequer à última fase preliminar da Liga dos Campeões, batido num mata-mata pelo Krasnodar, da Rússia. E já caiu também na Liga Europa. O Benfica não sobreviveu num grupo com RB Leipzig e Lyon. Foi parar na Liga Europa e não resistiu ao Shakhtar Donetsk.

Neste momento, as atenções em Portugal se concentram em três treinadores que estão entre a quinta e a sétima posição. Com alguma esperança de chegar ao quarto lugar e levar times de investimento reduzido a uma aventura europeia.

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Um nome que merece registro é João Pedro Sousa, 48 anos, técnico do Famalicão, time que foi líder até a oitava rodada, quando perdeu para o Porto por 3 a 0. O duelo, aliás, se repete hoje, às 17h15m (na Espn Brasil).

O modelo de jogo autoral chamou atenção mesmo com um campeonato “dividido em dois”: sete vitórias nos primeiros nove jogos e apenas três nos 14 seguintes, fazendo o clube cair para o sétimo lugar, com 37 pontos. A forma de jogar, por vezes, impôs riscos e até constrangimentos. Como a derrota por 7 a 0 para o Vitória de Guimarães.

? É o time que menos olha para o adversário, joga à sua maneira. Não faz um passe longo ao sair de trás, tenta sair com a bola ? relata Luís Cristóvão, analista tático e jornalista da rádio Antena 1, de Portugal.

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Contra times que se fecharam atrás, o Famalicão sofreu com contragolpes.

Por falar na goleada sofrida pela ex-sensação do campeonato, a grande aposta parece ser Ivo Vieira, 44 anos, técnico do Guimarães, atual sexto colocado. Revelação da última temporada ao conduzir o Moreirense a um sexto lugar, exibe um time capaz de pressionar no campo adversário e, mesmo sem grandes estrelas,  criar muitas oportunidades, até nos confrontos contra os grandes. Na Liga Europa, foi eliminado na fase de grupos ? resultado normal para seu poderio econômico ? mas deixou como marca duas boas atuações contra o Arsenal: um empate e uma apertada derrota por 3 a 2, em Londres. Além de ter batido o Eintracht Frankfurt na Alemanha.
 

Adepto de um 4-3-3, Ivo montou um Guimarães atraente.

? Encontrou boas soluções com pontas que têm drible. À imagem da seleção portuguesa de um tempo atrás, o time produz muito, mas falta um finalizador ? analisa Cristóvão.

Ainda assim, a equipe fez 40 gols no campeonato. Pelos lados do campo, Ivo Vieira tem usado o holandês Ola John, o inglês Marcus Edwards, formado no Tottenham, ou o brasileiro Davidson, que jogou no futebol de Pernambuco, Alagoas e Ceará antes de ir para a Europa.

Cobiçado por clubes do Brasil antes do início desta temporada, Carlos Carvalhal, 54, comanda outro time muito agradável de se ver: o Rio Ave, quinto lugar com 38 pontos. Após passagens pelo Sheffield Wednesday, na segunda divisão inglesa, e pelo Swansea, na Premier League, sua volta para o futebol português pareceu um passo atrás.

? Mas ele montou um dos times mais interessantes com a posse de bola, por saber o que fazer para ultrapassar o bloqueio do adversário ? diz Luís Cristóvão.

O Rio Ave varia entre uma linha de quatro defensores ou de cinco, de acordo com os rivais. Antes da paralisação pela pandemia, o time empatou fora de casa com o Porto.

Terceiro e quarto colocados, respectivamente, Braga e Sporting remetem a um nome em comum: Rubem Amorim, 35 anos. Sua história como treinador talvez ainda seja curta para despertar a cobiça de um time do Brasil. Mas em sua primeira temporada na primeira divisão, o ex-meia do Benfica protagonizou a história mais curiosa deste campeonato. Com um 3-4-3 que tornava seu modelo de jogo um dos mais marcantes na liga, Amorim conduzia o Braga a um ótimo desempenho. O que fez o Sporting pagar nada menos do que ? 10 milhões para levá-lo. Amorim fez só um jogo pelo novo clube antes da pandemia: vitória por 2 a 0 sobre o Aves.

E se o interesse por treinadores portugueses tem a ver com o sucesso de Jorge Jesus no Flamengo, Rubem Amorim tem um traço curioso: treinado pelo técnico rubro-negro, cita sempre o nome de Jesus como uma de suas inspirações na carreira.

Mas o que podem oferecer Porto e Benfica, as principais atrações? Nenhum deles se destaca pelo estilo. O Benfica vencera 17 dos 18 primeiros jogos e parecia insuperável. A única derrota fora justamente para o Porto, que repetiu o triunfo no returno e abriu um período em que os encarnados venceram só um jogo dos últimos cinco antes da paralisação. O time do técnico Bruno Lage, 44, jamais recuperou a capacidade de criação perdida com a saída de João Felix ao fim da última temporada. Lage tem um discurso forte, motivador, mas vem sendo cobrado pelo rendimento. Ele conta com um quarteto de meio-campo interessante: os portugueses Pizzi e Rafa Silva, o marroquino Taarabt e o alemão Weigl, ex-Borussia Dortmund, que chegou em janeiro.Ou seja, o time parece ter condições de jogar melhor.

No ataque, vale observar o maranhense Carlos Vinícius, de 25 anos, surpreendente artilheiro do campeonato com 17 gols. Antes de deixar o Brasil, jogara na Caldense, de Minas Gerais, e no Anápolis, na segunda divisão goiana. Além da divisão de acesso de Portugal, teve passagem pelo Monaco, da França.

Já o Porto de Sérgio Conceição, técnico de 45 anos, também não encanta sob o ponto de vista estético. É um time muito físico e sem tanto apego à posse de bola.

– Se preciso, usa muito o recurso de esticar a bola para o Marega na frente e para o lateral Corona – diz Luís Cristóvão.

Além do atacante malinês, a linha de frente do Porto tem o brasileiro Tiquinho, autor de sete gols no campeonato.  Vale ainda ter atenção com o lateral Alex Telles, selecionável de Tite e artilheiro dos Dragões no campeonato com oito gols.