Foi somente em 1993 que uma linha tracejada foi desenhada junto aos bancos de reservas, criando a área técnica onde os treinadores poderiam permanecer. Antes, era comum serem repreendidos apenas por se dirigirem à beira do campo para uma instrução. Permanecer, nem pensar. Num esporte que sempre limitou a intervenção dos treinadores durante os jogos, a permissão de cinco substituições tem potencial para mudar do planejamento das partidas à gestão dos elencos.

O objetivo original foi preservar o físico dos atletas após a paralisação pela pandemia e a perspectiva de uma dura sequência de jogos. O Brasil ainda decidirá se vai aderir à norma que, por ora, vale até dezembro, mas pode ser estendida. Os treinadores apoiam, mas com ressalvas.

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O número de paralisações não seria ampliado: é permitido a cada time substituir no intervalo ou em três momentos distintos do jogo.

? É preciso rever um ponto. Se um técnico não tiver feito duas ou três trocas até, digamos, 70 minutos, deveria perder o direito às demais. Caso contrário, se estiver ganhando, ele faz uma aos 35, outra aos 40 e outra aos 45 do segundo tempo. E picota o jogo. Vira malandragem ? argumenta Vanderlei Luxemburgo, técnico do Palmeiras.

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A visão contrasta com a tese de que os técnicos se sentiam “amarrados? com só três trocas.

? Já ouvi muita crítica do tipo: “colocou o jogador faltando três minutos…?. É que muitas vezes a gente chega ao fim do jogo preocupado com lesão, com dois ou três caras sentindo. Aí guardamos uma troca ? argumenta Dorival Júnior, técnico do Athletico-PR que, consultado pela Conmebol, foi favorável à adoção da regra nos torneios sul-americanos.

O que indica que o planejamento do jogo pode passar a ser fracionado em mais partes pelos técnicos. É comum tentar levar a formação inicial até o intervalo ou aos 60 minutos. Ali, de acordo com o panorama, uma ou duas mudanças iniciavam um “segundo momento?, restando uma carta na manga para os minutos finais.

? Ganhamos flexibilidade de fazer uma mudança por setor, mudar um setor inteiro. Por vezes, fazemos uma troca muito ofensiva, assumindo um risco, um desequilíbrio defensivo. Caso o time consiga uma virada rápida, você ainda tem a chance de retornar à segurança da formação original ? avalia Felipe Conceição, técnico do RB Bragantino.

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A novidade mexeria com outro ponto vital no dia-a-dia dos times: a gestão de um elenco em que alguns atuam poucos minutos. Num jogo, 12 vão para o banco e, pela regra em vigor, só três entram. Em tese, cresce a exigência de que todos absorvam o modelo de jogo.

? A grande questão é implementar uma ideia e ter tempo para treinar ? diz Paulo Autuori, do Botafogo, que fez ponderações sobre a tese de que clubes mais ricos, com elencos maiores, serão beneficiados. ? Teoricamente sim. Mas tudo depende de como o treinador vai usar esta nova situação.

VIA DE MÃO DUPLA

O conforto de poder jogar com mais peças, no entanto, é uma via de mão dupla. Em geral, o estudo dos rivais e o conhecimento dos treinadores adversários permite prever as alterações que o oponente fará. Com a nova regra, treinadores e auxiliares teriam mais dados a analisar enquanto o jogo corre.

? Quando aumentam as interações (entre técnico e o campo), aumenta a complexidade ? diz Conceição.

? Exigirá que técnicos estudem mais, se preparem mais. Mas há outros efeitos: atletas mais motivados e um jogo mais intenso por mais tempo ? opina Ramon Menezes, que assumiu o Vasco durante a paralisação.

Felipe Conceição faz outro alerta: de que a nova regra não pode mascarar o problema do calendário brasileiro. Para ele, racionalizá-lo é vital para o nível das partidas subir. Enquanto isso, a rotação dos elencos ganha ainda mais força.

? Torna-se possível fazer de forma mais inteligente. Você poupava cinco, mas pelo menos dois não entravam no jogo ? avalia Luxemburgo. ? Mas é preciso uma consciência do jogador de que a substituição é importante para manter a saúde do time. Pode gerar desconforto. Há os interesses comerciais, as transferências…

Na Alemanha, nos 28 jogos disputados até ontem desde a volta da Bundesliga, treinadores fizeram as cinco mudanças em 50% das oportunidades. É cedo para dizer se o número de trocas no primeiro tempo vai crescer, já que técnicos ainda relutam a elas: entre lesões e opções, houve cinco substituições antes do intervalo.