Duas ações judiciais distintas, movidas pelo ex-zagueiro Paulo André, contra o Corinthians, e o volante Maicon, contra o São Paulo, levantaram uma discussão sobre as relações trabalhistas entre jogadores e clubes. O calendário nacional tempera o debate.

No caso de Paulo André, que em dezembro fez acordo com o Corinthians e encerrou a ação, o debate envolve o descanso semanal remunerado. Esse é um benefício previsto pela Lei Pelé. Pelo artigo 28, “preferentemente em dia subsequente à partida, quando realizada no final de semana?. A discussão pode aumentar no pós-coronavírus, diante da possibilidade de um intervalo ainda menor de partidas.

? É um direito de todo trabalhador e pode ser dado em qualquer dia da semana. Mas por causa do calendário de futebol no Brasil, ele é difícil de ser dado, o que não quer dizer que não precisa ser dado, pago ou ajustado dentro da especificidade da função de atleta de futebol. De qualquer forma, fiz o acordo e abri mão de reclamar isso ? explicou Paulo André, atualmente é diretor de futebol do Athletico, em postagem no Facebook.

A questão fica complexa pela da rotina dos grandes clubes. Os jogadores que atuam domingo à tarde/noite, fazem o chamado regenerativo no dia seguinte. O encaixe da atividade, em geral, não aguarda o cumprimento das 24 horas. Vem daí a demanda por entendimento entre as partes.

? Pelo atleta, o melhor era que fosse até próximo ao horário do almoço. Ele acorda mais tarde, faria em seguida o regenerativo e teria o resto do dia livre. Fora de casa, já faz o regenerativo na viagem para ter o resto do dia de descanso. É sempre negociado. Ele tem que saber que a decisão é do comando, mas que você entende o lado dele ? explica Anderson Barros, atual diretor de futebol do Palmeiras.

O Corinthians citou preocupação com a cobrança do descanso semanal remunerado em uma carta enviada à CBF, na qual pediu par anão jogar aos domingos e à noite. Na entidade, a correspondência foi vista como um protesto e não um desejo real de alterações na tabela.

O debate sobre o tema não é novo. Quando o atual presidente do Corinthians, Andrés Sanchez, era deputado federal, ele liderou uma discussão sobre a Lei Geral do Futebol. O texto não prosperou, mas tentou-se dividir o repouso semanal em duas parcelas de 12 horas. A Federação Nacional de Atletas Profissionais de Futebol (Fenapaf) reclamou.

? Pode ser de segunda para terça. Mas as 24h precisam ser respeitadas ? disse Felipe Augusto Leite, presidente da Fenapaf.

A via dos jogos noturnos e aos domingos

Diferentemente de Paulo André, a cobrança de Maicon é por pagamentos adicionais pelo fato de atuar em jogos noturnos e aos domingos. Não é um pleito inédito, e a decisão favorável ao jogador se deu em um tribunal estadual de segunda instância.

? De fato, a Lei Pelé regulamenta a maior parte da relação de trabalho entre atleta e clube. Só que tem a Constituição. Nela, fica bem claro no artigo sétimo que a todo trabalhador será concedido acréscimo por trabalho noturno e aos domingos. A legislação concede. Há quem defenda que por haver o contrato especial de trabalho esportivo, com uma natureza específica, sobre ele não não incide. Mas há garantias constitucionais. Nossa linha é que, de fato, eles teriam que ser remunerados. O contrato pode prever, por exemplo, que o salário é de R$ 10 mil e R$ 2 mil são por esse acréscimo. Vai ficar para a instância superior consolidar isso ? avalia o advogado Tiago Rino, que costuma defender atletas em causas de diversas naturezas.

Do ponto de vista financeiro, esse processo pelas partidas à noite geraria uma demanda financeira muito maior do que aquela referente ao descanso semanal remunerado. Mas os clubes confiam em decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

? Por enquanto, são decisões de tribunais que não fazem jurisprudência. Houve uma falta de melhor compreensão da especificidade do exercício da profissão de atleta profissional e como funciona a atividade. Ele sempre foi praticado à noite e nos finais de semana. Tem regra da CLT que você precisa fazer um balanço e não aplicar de forma discricionária para todas as atividades. Não pode comparar com outras profissões. O jogador tem contrato com prazo determinado, multa alta para rescisão, uma série de garantias que outros trabalhadores não têm ? comentou o advogado Eduardo Carlezzo, ressaltando que os jogadores não cumprem a contrapartida de jornada semanal de 44h:

? Até porque o corpo deles não aguentaria.

Maicon hoje está no Grêmio. É um dos líderes do elenco, inclusive. Lá, não há temor de processos futuros.

? Ele tem comportamento exemplar do ponto de vista de reivindicações e questões contratuais. Não tenho temor com o Maicon ou qualquer jogador do Grêmio. Mas acho que tarda um posicionamento para acabar com essa questão ? afirmou o diretor jurídico gremista, Nestor Hein.

Maicon já é um veterano, fará 35 anos em setembro. Mas é Paulo André que está no outro lado da relação, exercendo cargo diretivo em clube. O ex-zagueiro, inclusive, foi um dos líderes do movimento Bom Senso. Ele sabe a relevância do posicionamento dos atletas.

? Qualquer pessoa e profissional tem a liberdade de reivindicar, de modo extrajudicial ou pelas vias jurídicas, seus direitos. O tema é de grande interesse de todos os clubes e, portanto, se faz necessário construir um caminho em conjunto com todos os entes que formam a indústria do futebol no Brasil para melhorar essa relação e a especificidade da profissão ? finalizou.