estilo de vida »

Curador do Jabuti diz que errou, depois de post polêmico



Curador do Prêmio Jabuti, um dos mais prestigiosos da literatura brasileira, Pedro Almeida causou polêmica neste domingo, 24, ao escrever um post em seu perfil no Facebook em que minimizava as mortes pelo coronavírus. Almeida, que é editor da Faro, começou seu texto com a frase “Alguém está mentindo para você” e passou a questionar os números da covid-19 e a comparar o número de mortes este ano e no ano passado. Ele apagou o post quando a repercussão negativa começou, dizendo que fez isso motivado pela patrulha.

56º Prêmio Jabuti, realizado no Auditório do Ibirapuera, em São Paulo (SP)
56º Prêmio Jabuti, realizado no Auditório do Ibirapuera, em São Paulo (SP)

Foto: Flávia Silva / Futura Press

Nesta segunda, 25, ele fez nova postagem em que pedia desculpas pelas informações erradas que compartilhou e fazendo uma “retratação”, título de seu texto. Leia a seguir na íntegra.

“RETRATAÇÃO

Fiz um post com dados incorretos; errei por acreditar que eram corretos. Assim que amigos me avisaram disso, apaguei o post. Não desejava colocar inverdades e, como jornalista, sempre confiro antes de divulgar. Mas apostei na fonte.

PANDEMIA

Lamento profundamente todas as mortes por COVID-19. Tenho amigos que perderam parentes por conta dessa pandemia, dei toda a minha solidariedade e afeto a todos eles na época em que essas perdas aconteceram. Uma amiga perdeu o pai e é muito próxima a mim. Ela sabe que nunca desprezei essas mortes e foi a primeira a me dar apoio quando as redes começaram a discutir meu post, pois sabia que o sentido que ele ganhou não foi o mesmo de quando o escrevi.

ISOLAMENTO

Foi criado um manifesto afirmando que sou contra o isolamento. Está equivocado. Não sou contra o isolamento, não nego o vírus nem seu potencial. Ao contrário, me preocupo com ele e recomendo a todos que mantenham o distanciamento social o máximo que puderem, e sigam as recomendações das autoridades médicas para a devida higienização neste período tão angustiante e preocupante.

TRABALHO SOLIDÁRIO

Em nenhum momento, neguei a necessidade de isolamento, mas descobri que há muita gente que não tem como fazer essa escolha. E resolvi fazer algo.

Quem me acompanha nas redes sociais sabe que tenho tomado todos os cuidados e seguido todos protocolos para realizar esse trabalho com segurança, porque considero imperioso enfrentar a COVID 19 com solidariedade e empatia. Desde o início da quarentena decretada em São Paulo, tenho dedicado vários dias por semana a distribuir refeições, cestas básicas, produtos de higiene, agasalhos e cobertores a moradores de ruas, de albergues, favelas, prostitutas, travestis, crianças de rua, detentos recém-libertados fora de sua cidade de origem. Sou testemunha participante de que enfrentamos uma situação desesperadora para quem não tem condições de moradia ou reserva financeira.

HISTÓRIA

Nasci numa família que sempre realizou atividades caritativas desde a década de 1960. Ver hoje tanta gente desempregada e nas ruas me fez perceber quantos correm mais riscos que eu. Tive medo de pegar o vírus? Claro, mas sempre fui uma pessoa de frente de batalha. Então recebo surpreso a notícia de que meu post foi reduzido à voz de “um negacionista”. Me recuso a aceitar essa acusação, ela simplesmente não é verdadeira. E estou nas ruas porque desejo evitar mais mortes, mais desespero.

CENSURA E PATRULHAMENTO

Opiniões e posts que emito em minhas redes sociais pessoais não podem ser confundidas ou estendidas às instituições com as quais colaboro. Sou livre para pensar e me expressar. Não aceito censura. Quando erro, reconheço e me desculpo. Tenho opiniões que ora desagradam à esquerda ora à direita e não vou admitir censura, nem viver em regime de autocensura. Sou homossexual e ateu. Terei de fingir algo que não sou para ocupar um cargo? Se fizer isso uma vez, perco a minha voz e o meu respeito próprio. Não há no meu trabalho profissional nenhum desabono, nem sobre meu caráter, nem sobre minha capacidade de ouvir todas as vozes.

PRÊMIO JABUTI

O Prêmio não tem nada a ver com o meu post. Os premiados são avaliados por aspectos artísticos e técnicos por um corpo de jurados formado por nomes respeitados em suas áreas. O conselho do Prêmio é composto por quatro pessoas que, muitas vezes, pensam diferente de mim e nos respeitamos. Também existe uma Comissão da Câmara Brasileira do Livro que acompanha as atividades da seleção: não estamos diante do trabalho de uma única pessoa. A edição de 2019 do Prêmio foi um grande sucesso, recebi o reconhecimento de centenas de pessoas do mercado, inclusive daquelas que discordam de mim em muitos domínios. O nível elevado que o Prêmio alcançou resulta da atuação de um número enorme de profissionais que trabalham para valorizar o livro e a leitura no Brasil. E é isso que deve importar.

MEUS SENTIMENTOS ÀS FAMÍLIAS DE TODA VÍTIMAS DA COVID-19.”

A postagem de Pedro Almeida e o Manifesto Contra o Obscurantismo do Prêmio Jabuti

A análise de Pedro Almeida acerca dos números da pandemia gerou indignação por parte de escritores e leitores e logo foi criado um abaixo-assinado chamado Manifesto Contra o Obscurantismo do Prêmio Jabuti. De autoria de Afonso Borges, criador do Sempre um Papo, o manifesto foi assinado, até o momento, por mais de 4 mil pessoas.

“Nós, escritores, editores, jornalistas e profissionais do livro abaixo-assinados, manifestamos nossa indignação com as declarações do presidente do conselho curador do Prêmio Jabuti, Pedro Almeida, publicadas no domingo 24 de maio em sua página no Facebook, que negam os riscos relacionados à Covid-19 e questionam a gravidade da doença e a mortalidade por ela provocada, além de colocar em dúvida a necessidade do isolamento social para debelar a crise.”, diz o texto que comenta que o Jabuti, um patrimônio cultural e científico de todos os intelectuais e profissionais do livro do país, tem um compromisso inegociável com a ciência, a responsabilidade social e o combate à disseminação de notícias falsas.

“O posicionamento de Pedro Almeida é incompatível com a responsabilidade do curador de um prêmio que celebra a produção científica brasileira, bem como a obra de escritoras e escritores que hoje se encontram vulneráveis à Covid-19. Além de irresponsáveis, tais palavras desonram nomes como o do escritor Sérgio Sant’Anna, vencedor do Jabuti, que morreu de Covid-19, bem como do cronista Aldir Blanc, do tradutor Fernando Py, da tradutora Olga Savary e de outros grandes intelectuais brasileiros cuja memória as declarações de Pedro Almeida desrespeitam.”

O texto encerra dizendo que o grupo considera Pedro Almeida “desautorizado” para o cargo e pede uma resposta da Câmara Brasilera do Livro, que promove a tradicional premiação. A CBL não se manifestou.

Repercussão do post do curador do Jabuti sobre o coronavírus

 
 

Veja também:

Coronavírus: experimento japonês mostra rapidez com que vírus se espalha em restaurante

Estadão

  • separator
  • 0
  • comentários

Fonte: Terra Saúde


Comente