Nunca foi tão fácil perceber que a energia estava diferente no Rio de Janeiro. Era manhã de segunda-feira, 17 de novembro de 2019. Estava em um posto de gasolina na Glória, Zona Sul, e vi um mar de rubro-negros se dividindo em filas para entrar em três ônibus de turismo. Destino era Lima, no Peru, cidade-sede da final da Libertadores. Pensei: “todos são completamente loucos de encarar isso”. E eu tinha razão.
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A decisão entre Flamengo e River Plate começou muito antes para mim. Mais precisamente no dia 7 daquele mês, quando meu editor me chamou no Whatsapp. “Entra em contato”, estava escrito junto à mensagem de uma campanha da Buser. A ideia era levar os torcedores que não conseguiram viajar devido ao exponencial aumento de preços das passagens aéreas. Uma pauta sobre rodas.
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À Revista ÉPOCA, escrevi um diário de viagem narrando os dias que passei na estrada em cinco capítulos. Saí no dia 17, cheguei em 22, percorri mais de 5.500 km e só depois de viver uma das maiores experiências da minha vida que entendi como aqueles passageiros me ajudaram a compreender os diferentes sentimentos que envolveram os rubro-negros – dos mais normais aos inexplicáveis.
Entendi o lado saudosista do que aquela final representava na figura de Lucio Soares, o único presente que viu a final de 1981. Após anos de eliminações frustrantes, era a chance de reviver os dias de glória.
Danilo Mello era a esperança. Um torcedor que leiloou o ingresso da semifinal para pagar o tratamento do câncer do seu cachorro. Ir a Lima com as finanças atingidas parecia impossível, assim como ser bicampeão da Libertadores era fora da realidade há alguns anos. Doze, o cão, venceu a batalha. O Flamengo, também.
Já Renan e Luiana foram uma mistura de loucura e irresponsabilidade. Dois jovens dispostos a viver o maior momento de suas vidas e que deram de ombros para o risco de demissão de seus empregos. Eles eram o povão, que sempre faz de tudo para ver o Flamengo, independentemente do país em que jogue. Passamos por Argentina e Chile antes de chegar no Peru, vale lembrar.
A falta de ar que senti a mais de quatro mil metros ao passar pela Cordilheira dos Andes foi parecida com a do lado rubro-negro do Monumental de Lima, quando Rafael Borré abriu o placar. Já a felicidade misturada com alívio ao desembarcar após mais de 100h de estrada foi comparável a um gol de empate aos 43 minutos do segundo tempo.
Ser campeão, então, é a euforia máxima que o futebol pode proporcionar. Aos mais apaixonados, comparável apenas à emoção do casamento ou de ter um filho. Como a de Bianca, a produtora. Tenho certeza que ele, onde quer que esteja, também guarda com carinho esses momentos.
É impossível mencionar todos, mas estar lá foi um privilégio. Graças às lentes de Henrique Campos e a direção de Adriano Witschinski, esses torcedores do Flamengo não vão esquecer de quando Gabigol venceu Armani. Eu não vou esquecer que vi tudo isso ao vivo. Ao fim de tudo, eles estavam certos em serem malucos.
Fonte: O Globo