A ideia da série de reportagens é simples, mas complicada: escolher seis jogos marcantes, que ajudem a entender como clubes, seleções ou o próprio futebol chegou até aqui. A missão fica mais difícil, porém, se a ideia não é mostrar as maiores ou melhores partidas, mas sim aquelas que ajudem a construir uma narrativa de como aquele escudo atravessou o tempo, com suas glórias e vergonhas.
Depois de publicarmos as escolhas para o futebol brasileiro e mundial, e as trajetórias em seis jogos de alguns clubes nacionais, chegou a hora da seleção brasileira. Do Maracanazzo ao 7 a 1, passando por cinco títulos mundiais, as partidas que fizeram a amarelinha ser o que ela é hoje.
Brasil 1 x 2 Uruguai
O Brasil venceu o Sul-Americano de 1919, estreou em Copas do Mundo em 1930, chegou à semifinal em 1938. Não há, porém, nada que tenha acontecido nos primeiros anos que seja tão marcante quanto a derrota para o Uruguai no Maracanã no último jogo da Copa do Mundo de 1950.
Flamengo:Os seis jogos que ajudam a entender a história do clube
Jogo que tem até nome, “Maracanazzo”, partida em que o silêncio sepulcral da torcida foi personagem, é a grande decepção esportiva brasileira do século XX. Após fazer um Mundial irretocável, a seleção brasileira perderia o título de virada, para o bom, mas surpreendente Uruguai.
Apesar dos cinco títulos mundiais que viriam, talvez esta seja a final de Mundial que menos pode faltar por aqui, pois moldou o caráter de um país. A síndrome do vira-lata foi só um dos efeitos colaterais: foram 90 minutos históricos que até fizeram a seleção trocar a cor no uniforme. Se a “Canarinho” nasceu, Barbosa, o goleiro, foi condenado injustamente a ser um dos únicos brasileiros que morreria duas vezes: uma depois daquele jogo e outra em 2000, quando se foi de verdade, ainda amargurado.
Brasil 2 x 0 União Soviética
Ainda com o peso de 1950 nas costas, o Brasil tentava pela segunda Copa aliviar a dor daquela tarde no Maracanã. Se a estreia contra a Áustria (3 a 0) animou, o empate sem gols contra a irregular Inglaterra deu o tom da preocupação. Era preciso ganhar a União Soviética, líder e favorita ? tinham vencido as Olimpíadas de 1956 ? para ter chances de seguir.
Vasco:Os seis jogos que ajudam a entender a história do clube
O técnico Vicente Feola fez então substituições que mudaram a história do futebol mundial: trocou três titulares. Saíram Joel, Mazolla e Dino Sani; entraram Pelé, Garrincha e Zito. Vavá, que também começara a Copa como reserva, abriu o placar logo aos três minutos. O repórter Gabriel Hanot, da revista francesa “L’Équipe”, disse ter visto “os três melhores minutos de futebol já jogados”, sobre o começo do jogo. O placar terminou em 2 a 0, e a impressão era a de que algo grande tinha acontecido.
Pelé e Garrincha, em especial, marcariam a história das Copas. O primeiro, aos 17 anos, lideraria a seleção por mais três jogos na Suécia até o primeiro título incontestável. Lesionado no meio do Mundial seguinte, em 1962, viu o protagonismo ser tomado pelo Mané, que levou o Brasil ao bi. Daquele jogo contra a URSS até o fracasso em 1966, juntos, os dois jamais perderam vestindo a amarelinha.
Brasil 4 x 1 Itália
O desafio desta série de reportagens é escolher não os maiores jogos, ou as grandes atuações, mas sim as partidas que marcaram a trajetória dos times e seleções. Para um Brasil que é pentacampeão, seria muito fácil colocar as cinco finais de Copa do Mundo e restar apenas mais um jogo a escolher.
Fluminense:Os seis jogos que ajudam a entender a história do clube
Não é o caso. Entretanto, a final de 1970, única da lista, é impossível de ficar de fora. Ela tem de tudo: grandiosidade, se pensarmos que era a decisão de um Mundial entre dois bicampeões ? e quem vencesse levaria o troféu Jules Rimet definitivamente. E beleza, dado que talvez seja a maior atuação da história da seleção, uma goleada com direito ao gol mais bonito da história das Copas, o último, de Carlos Alberto.
Um jogo que alçou o Brasil ao posto de país do futebol e Pelé, à figura de rei. Um jogo que não modificou só a história da seleção, como a de todo o futebol.
Brasil 2 x 0 Uruguai
Alguns, por certo, já torceram o nariz porque perceberam que a lista não inclui nenhum jogo de 1982 e pula do tri para o pré-tetra. Mas 1982 está presente ali, 11 anos depois, antes do jogo da seleção que poderia deixar o Brasil de fora de uma Copa pela primeira vez na história.
Após duas derrotas em Copas com Telê, o Brasil escolhera um futebol mais burocrático em 1990, o que tampouco trouxe resultado. Para 1994, a desconfiança em cima da seleção era a maior já vista, e reveses inéditos nas Eliminatórias, como a derrota para a Bolívia em La Paz naquele ano, faziam o torcedor desconfiar do criticado time de Parreira que namorava a possibilidade de não ir ao Mundial dos Estados Unidos.
Botafogo:Os seis jogos que ajudam a entender a história do clube
Na última rodada, no jogo que poderia eliminar ou dar a classificação ao Brasil, Parreira decide deixar os problemas de lado e convocar o cara que levaria o Brasil ao tetra um ano depois: Romário, que faz dois belos gols e incendeia um Maracanã lotado que percebeu que precisava apoiar sua seleção. O quarto título mundial sairia meses depois, mas o maior jogo daquela campanha começou antes da abertura da Copa.
Brasil 7 x 0 Venezuela
Entre o Brasil x Uruguai de 1993 e o Brasil x Argentina da final da Copa das Confederações em 2005, muitos jogos foram marcantes em um dos períodos mais vitoriosos da história da seleção, incluindo três finais de Copas consecutivas, com os títulos de 1994 e 2002 e o vice em 1998.
Grêmio:Os seis jogos que ajudam a entender a história do clube
Escolher uma banal goleada contra a Venezuela em uma estreia de Copa América tem suas razões. A principal é a transição entre duas gerações vencedoras: Romário fez seu último jogo pela seleção em 1999. Em seu lugar, Rivaldo e Ronaldo ? protagonistas desde o Mundial de 1998 ? se juntariam, pela primeira vez naquele jogo, com o jovem Ronaldinho Gaúcho, autor de um golaço, com a memorável narração do “Olha o que ele fez! Olha o que ele fez!”. Não se pode elaborar uma lista de jogos marcantes da seleção sem citar ao menos um clássico de Galvão Bueno. Os três marcaram gol naquela noite na fronteira entre o Brasil e Paraguai.
Internacional:Os seis jogos que ajudam a entender a história do clube
Curiosamente, Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho só voltariam a jogar juntos em 2002, devido à lesão do Fenômeno, que voltou do descrédito para ser o herói do penta três anos depois daquele encontro. Fora isso, o jogo serve para representar o quanto o Brasil foi vitorioso além das Copas naquele período. Fora os dois mundiais, foram três Copas América (1997, 1999 e 2004) e duas Copas das Confederações (1997 e 2005).
Brasil 1 x 7 Alemanha
A era vencedora da seleção brasileira já tinha terminado há alguns anos. Duas eliminações nas quartas de final em 2006 e 2010 já davam o recado de um futebol em crise, mas que era pouco compreendido por títulos menores vencidos mais na camisa do que em brilho, como nas Copa das Confederações de 2009 e 2013.
Atlético-MG:Os seis jogos que ajudam a entender a história do clube
O choque de realidade foi o golpe mais duro da história da seleção mais vitoriosa do planeta. Numa incrível Copa do Mundo em casa, o Brasil fazia boa campanha com um futebol pobre, mas terminou sua participação em uma semifinal sofrendo a maior goleada e o mais surreal vexame de sua história centenária. O 7 a 1 contra o alemães entrou para a história, virou meme, estado de espírito e nunca mais será esquecido.
Com sua diretoria (a anterior, a atual e a posterior, que, no fim, eram, na verdade, a mesma) envolta em escândalos de corrupção em 2014, a CBF e a seleção brasileira viveram a mais aguda crise ética, moral, técnica e de identificação com o torcedor. Até hoje, alguns efeitos colaterais daquela goleada são sentidos, para o bem e para o mal. Se esta lista abre com a mais doída das derrotas, o 7 a 1 a fecha com a mais vergonhosa delas.
Cruzeiro:Os seis jogos que ajudam a entender a história do clube
Ciente que talvez o fundo do poço tenha sido atingido, a história da seleção só deve ganhar um novo capítulo com uma grande vitória, coisa que nem o ouro olímpico inédito conquistado em casa, contra a mesma Alemanha, em 2016, foi capaz. Eis o tamanho da missão que Tite carregou, sem sucesso, em 2018 na Rússia e que tenta carregar novamente até o Qata,r em 2022.
Fonte: O Globo