Medo, incerteza, sofrimento e choro. Todos esses sentimentos fazem parte da rotina das profissionais da saúde envolvidas na linha de frente do combate ao novo coronavírus. A cada dia que passa essa lista ganha novas emoções. A saudade começa a falar alto agora que a maioria da população já está há mais de 40 dias em quarentena. Por causa da atuação profissional, médicas e enfermeiras tiveram que se afastar da família e vão ter um Dia das Mães completamente diferente.
A técnica de enfermagem Cícera Maria de Moraes trabalha na UTI de um hospital na Grande São Paulo e optou por ficar longe do filho de quatro anos. O menino está no interior com a sogra. Os dois ficaram um mês e 20 dias sem se verem pessoalmente, mas chamadas de vídeo ajudaram a matar a saudade. “Fazemos um esforço para o bem dele”, declarou em entrevista ao Terra.
Durante esse período, Cícera testou positivo para covid-19 e precisou ficar longe do trabalho. Com muita dor de cabeça e náusea, a técnica de enfermagem procurou um Pronto Atendimento e recebeu o diagnóstico. A profissional da saúde não conseguiu conter as lágrimas ao relembrar o primeiro atendimento. “Falei para a médica, eu estou com muita dor, mas estou mais preocupada com o meu marido. Quero ir embora, tomo medicação em casa. Meu medo era transmitir a doença para ele ou para qualquer outra pessoa presente”, contou.
Máscaras e lavar as mãos muitas vezes ao longo do dia foram as práticas adotadas para tentar não transmitir o coronavírus. “Acredito que ele [marido] também se contaminou, mas não sentiu nada, só sentiu falta de ar quando eu recebi a notícia, mas era ansiedade”, afirmou. Ele não pôde fazer o teste junto com Cícera porque não apresentava sintomas. “Falaram que não tinham testes suficientes para todo mundo”, relatou.
Após receber alta no último dia 30, a técnica de enfermagem foi para o interior de São Paulo visitar o filho. Utilizando máscara, ela viu o filho correr para ganhar um abraço, mas ele não conseguiu o carinho desejado. “Mesmo sabendo que você tá liberada, tem o receio, ainda mais que ele tem problema respiratório”. De volta ao trabalho, Cícera planeja mais um longo período longe do filho pelo receio de ainda ser um vetor de contaminação e tenta lidar com os pedidos do menino para que ela vá buscá-lo. A tecnologia, mais uma vez, vai ser a responsável por amenizar a distância neste Dia das Mães.
O medo de transmitir o coronavírus dentro de casa também preocupa Daiane Lima Lemes. A técnica de enfermagem tem duas filhas, uma de dois e outra de 13 anos, e não tem com quem deixar as meninas. Ela e o marido, que é enfermeiro, trabalham em turnos alternados e se revezam nos cuidados das filhas.
“Tudo mudou. Além do isolamento, a gente tomou algumas medidas de prevenção. Quando saímos do hospital, tomamos banho lá, adotamos a medida de limpar o sapato com água sanitária toda vez que chegamos em casa e, praticamente, nos damos banho de álcool antes de encostar nas crianças”, disse.
“O coração fica apertado, apreensivo. O medo não é de se contaminar, mas é de passar para o próximo. Se eu souber que eu passei para um familiar, o medo vai ser maior, vou me sentir culpada”, acrescentou.
Além da preocupação de ser a responsável por carregar o vírus, Daiane elenca outras situações difíceis para profissionais da saúde na linha de frente da covid-19. “O que deixa marcante é que o paciente de coronavírus não recebe visita, a única visita que tem é o reconhecimento de corpo. O familiar chega, confere e depois acabou, isso tá sendo o pior. Fora disso, o medo e a insegurança que estamos vivendo com a situação de colega de trabalho na UTI. Fico apreensiva e preocupada”, confessou.
A técnica de enfermagem perdeu a mãe no ano passado, e neste ano não poderá nem ver a sogra e nem receber um abraço neste domingo. “Infelizmente, não vai ter contato nenhum. Meu marido falou que vai ser o primeiro Dia das Mães que vai passar longe, ela tem 65 anos, ele ficou chateado”, contou.
A enfermeira Mariana Borges de Carvalho vai ter os filhos por perto neste domingo, mas também estará longe da mãe, que ela costumava ver todos os dias antes do começo da pandemia. Já são mais de 40 dias sem essa visita. “Nem presente, coitada. Nos falamos o dia todo por WhatsApp sempre uma hora à noite fazemos alguma vídeochamada, provavelmente é isso que vamos fazer domingo [hoje]”, planeja.
A profissional trabalha em uma unidade de internação de pacientes pós-cirúrgicos e mesmo que não esteja na linha de frente do combate ao coronavírus, ela revela que chegam bastante casos da doença no hospital e que precisou mudar toda a rotina. “Demoro 30 minutos para entrar em casa. Mesmo trocando de roupa antes de sair do hospital, quando eu chegou em casa vou direto para a área de serviço, tiro tudo e higienizo com álcool e hipoclorito. Não falo com ninguém. Mesmo sendo enfermeira, nunca tive tanto cuidado, lavava as mãos, mas acabava ficando com a roupa. Muita coisa eu vou incorporar. Você começa a perceber que éramos muito desleixados, já mudei bastante”, relatou.
Como a maioria das mães, Mariana também se culpa por não conseguir estar muito presente na vida dos filhos neste momento complicado. Ela tem um menino de seis anos e uma menina de dois. “Meu marido trabalha de casa, então eles ficam presos dentro de casa. Eles estão bem entediados e a gente também. Fico me sentindo mal porque no hospital está tão cansativo, que não consigo acompanhar o planejamento online das escolas, nem fazer uma lição. Eles não descem para brincar. Por mais carinho e atenção, eles estão perdendo muita coisa”.
E quando são os filhos que estão na linha de frente?
Laura, Letícia e Nicole escolheram o caminho da medicina e dão os primeiros passos na trajetória profissional. Porém, elas viram tudo mudar com a chegada do coronavírus. Ficar longe da família foi a primeira medida tomada.
Médica plantonista em um hospital referência no combate à covid-19 no interior de São Paulo, Nicole Dutra Marques não vê os familiares desde o dia 2 de março. Neste domingo, a mãe não vai ganhar um abraço. “Pretendo mandar uma cesta de café da manhã. A vontade de estar com ela é muito grande, mas infelizmente não vai ser possível. Trabalhando em hospital meu contato é muito grande com a covid-19 e acho muito importante respeitar a quarentena. Com certeza iremos nos falar por chamada de vídeo”, contou sobre os planos.
Nicole diz que “o mais difícil é receber os pacientes em insuficiência respiratória e nunca saber como será o nosso plantão. Às vezes, ficamos 24 horas sem descanso algum”. “É preciso muita calma, proteger e organizar a equipe que está com você e procurar ser o mais preciso e rápido possível na entubação para estabilizar o paciente. O que me deixa muito pensativa também é que às vezes eles nos pedem para dizer coisas para seus familiares, se mostram muito angustiados com a possibilidade de não acordar mais. Infelizmente, não conseguimos liberar a visita de familiares para evitar maior contaminação”, contou.
Entre os pedidos que já ouviu na UTI, a médica relembra o caso de um paciente que, minutos antes de ser entubado e que teve a esposa internada também pela covid-19 uma semana antes, agradeceu pelos cuidados e pediu para que ela falasse para a mulher e os filhos que ele os amava. “Pedi para ele se acalmar e ele me disse muitas coisas bonitas como cuidar da minha família, me proteger e para esquecer coisas ruins e sempre lembrar das coisas boas. Foi muito emocionante!”, relembrou.
No último ano da residência de ginecologia e obstetrícia, Letícia Valerim Dos Santos também teve o seu cotidiano afetado pela covid-19. Ela precisou passar a atender em tendas especiais para ajudar na pandemia. Com isso, ela está longe da família desde o dia 6 de março. “Por sorte era meu aniversário, então, passei o final de semana inteiro com eles, depois de lá, só por vídeochamadas e dois dias que deixaram comida para mim na portaria do prédio e demos um tchau de longe e com máscaras”, relembrou. Os pais têm mais de 60 anos e estão no grupo de risco.
Mesmo longe, dona Cristina vai receber o carinho da filha neste domingo. “Já fiz encomenda para um restaurante e entregarão almoço para eles por minha conta e meu irmão irá bancar o jantar, assim não ficaremos tão distantes. Além disso, combinamos de na hora do jantar marcar uma vídeochamada para todos estarem na mesa, cada um de suas casas comendo juntos. Ligarei para minha vozinha também porque ela mora em outra casa e está ficando muito triste nessas datas especiais, como Páscoa e Dias das Mães, passando sem a família dela, pois nem meus pais estão indo na casa dela”, explicou.
Para Letícia, o mais difícil do trabalho no hospital neste momento “é ter todos os cuidados de prevenção 100% do tempo”. “Nem todos os hospitais têm todos os equipamentos adequados (EPI), mas mesmo nos que têm vemos várias falhas que sem querer podemos nos contaminar a qualquer momento. Principalmente quando o paciente não é sintomático, então, não usamos todo o material para precaução, mas sabemos que dessa forma tem paciente transmitindo também”, explicou.
“Acho que outro problema importante é se manter bem psicologicamente, ficamos muito ansiosos e só falando do mesmo assunto 24 horas. Mesmo quando estamos em casa, nossa cabeça está na pandemia. Para mim, está muito difícil se concentrar em qualquer coisa”, acrescentou.
No entanto, se depender de Cristina, a filha pode contar com uma proteção especial “Estou muito tensa, rezo todos os dias, peço proteção para todos, mas sempre digo uma proteção especial para minha filha Letícia que é médica, estando muito mais vulnerável nesta situação que estamos vivendo. O dia que me enviou uma foto toda vestida com as proteções necessárias, comecei a chorar e não conseguia parar, enfim muito triste”, relatou.
A mãe da Dra. Laura Beatriz Leber, que também está no último ano da residência de ginecologia e obstetrícia, também pode esperar por surpresas neste domingo. “Pretendo entregar uma cesta de café da manhã para ela. Fora isso, estamos falando por vídeo todos os dias”. As duas estão há quase dois meses sem se encontrarem pessoalmente.
Recrutada para ajudar no primeiro atendimento de casos suspeitos da covid-19, Laura confessa que fica preocupada. “Dá receio, mas é nossa obrigação”, ressalta. Para ela, o mais difícil no trabalho durante uma pandemia é “ver as pessoas irem sem necessidade ao hospital por motivos supérfluos, ser tão egoísta a ponto de ver que alguns problemas no momento não são prioridades”.
Sabendo do risco que a filha corre, Maria Iraci está cumprindo o isolamento social. “Não saio de casa há 48 dias, meu marido está indo ao mercado e trabalhando”, contou. Mesmo assim, ela diz que está com o coração apertado: “Meu maior medo é que minha filha seja contaminada por esse vírus”. Porém, enquanto não podem se abraçar e se beijar, mãe e filha contam com a tecnologia para se verem pelo celular e ajudar a amenizar a saudade.
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Fonte: Terra Saúde