A pandemia do novo coronavírus já mobiliza a ciência do esporte para uma nova era que pode significar uma volta momentânea ao passado. No Brasil, os clubes se adequaram para retornarem aos treinamentos esta semana através de protocolos médicos que apontam na direção de uma nova pré-temporada, sob moldes antigos ? ao menos no seu reinício. Especialistas defendem que haverá uma preparação mais analítica, atípica para boa parte dos jogadores, mas conhecida de muitos profissionais.
Coronavírus: Entenda como será a nova pré-temporada dos clubes em meio à pandemia
Ela prevê um afastamento da metodologia sistêmica, feita de acordo com o modelo de jogo que o treinador propõe, que virou tendência no mundo. Com a exigência de distanciamento, haverá necessidade de divisão dos atletas em pequenos grupos, o que inviabilizará no começo os treinos de futebol em si. Mas isso abriria espaço para treinos específicos, físicos e técnicos, como antigamente.
? É o treinamento puro, isolado, técnico e físico. O maior prejuízo é o treino de futebol. Você até consegue fazer alguns trabalhos de campo reduzido. Mas treinar futebol vai ficar um pouco comprometido ? opina o preparador físico Ricardo Henriques, do Sport.
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Na prática, será necessário condicionar a volta das atividades a um cenário econômico fragilizado, que coloca a performance do atleta em segundo plano, desde que ele cumpra o calendário que garanta as receitas do clube. Para isso, a condição básica será seguir medidas que respeitem a chamada biossegurança, não as medidas de prevenção de lesão. O problema é que ficar sem treinar não é a melhor solução.
? Cada semana parado é uma perda física significativa. Todos os clubes deveriam ter um tempo suficiente para dar condições razoáveis para os atletas voltarem aos jogos. Sem isso compromete, ficam propensos a ter mais lesões. É um problema que a gente vai ter que solucionar ? emendou Ricardo.
Em debate no âmbito nacional e regional, o protocolo sanitário a ser implementado obrigou integrantes dos departamentos médicos dos clubes brasileiros a troca de ideias sobre o novo normal em termos de preparação física e afins. Segundo os profissionais, serão necessários alguns dias de trabalhos físicos sem a companhia da bola em atividades coletivas. Até mesmo os trabalhos aeróbicos em grupo serão restritos.
Prevenção retarda trabalhos otimizados
Estudos indicam que o vírus pode se disseminar através do efeito aerosol, com espirros que o espalham para os que estiverem em distâncias de até 10 ou 20 metros ao redor, dependendo da velocidade dos jogadores. Portanto o certo é não correr em grupo, um atrás do outro. Um atleta assintomático contamina todos os outros. Mesmo com movimentações individuais, abrir mão do trabalho coletivo retarda o alcance dos melhores resultados.
? Não dá pra fazer trabalhos habituais de pré-temporada. Então não tem como otimizar o condicionamento do jeito que estamos habituados no Brasil, apesar de os profissionais terem desenvolvido expertise em pré-temporada curta, em prevenção de lesões, demos salto voltado para nossa realidade. Mas não é uma situação normal de pré-temporada no Brasil, é mais atípico ainda ? lembra Daniel Gonçalves, coordenador científico do Palmeiras.
Hoje, as comissões técnicas entendem que 15 dias são suficientes para voltar à melhor forma. Mas com quase sete semanas em casa, os jogadores precisariam de mais tempo, e de um período específico de treinos com bola sem restrições. Não à toa a Fifa já indicou que pode liberar cinco substituições nos jogos, e o pleito já chegou na CBF através de lubes brasileiros.
? Num jogo, há uma imprevisibilidade que não pode ser reproduzida em um treino individual, por mais que se crie situações e simulações ? explica Gustavo Araújo, preparador físico do Corinthians, que listou possíveis alterações aos treinos.
? Nos trabalhos de força, em que se busca prevenção de lesões, haverá cautela no revezamento de equipamentos, que precisarão ser higienizados. Em vez de um circuito natural, o atleta esgotaria todos os exercícios em um aparelho, até o jogador seguinte assumir. Poderá haver ainda corridas intervaladas, mesmo com bola, sem interação entre jogadores.
Os atletas sofreram durante o último mês uma perda significativa na parte aeróbica. A quarentena reduz a chamada capilarização do músculo, com menos nutrientes e oxigênio circulando. Embora retornem com bons níveis de força, em tese, os jogadores precisarão começar do zero em outras variáveis, como resistência, potência, velocidade e agilidade, além do lado emocional.
? Enquanto não testa todo mundo tem que fazer protocolos individuais. Performance fica em segundo plano em relação a questões sanitárias e econômicas. Se tiver que jogar em sete dias vai jogar, se não o prejuízo pode ser maior ? alerta Daniel Gonçalves.
Fonte: O Globo