Em sua coluna no “New York Times”, o jornalista Rory Smith escolheu seis jogos para explicar a história do futebol.O GLOBO então pensou em como isso poderia ser adaptado para o futebol brasileiro e destacou o sexteto que ajuda a entender o futebol brasileiro. Desta vez, fomos além. Afinal, o Brasil é grande demais e os principais clubes têm histórias muito ricas para serem deixadas de lado. Caso do Fluminense Football Club.
BOTAFOGO:os seis jogos que ajudam a entender a história do clube
Neste exercício, tentamos entender os seis principais jogos que moldaram a centenária história do tricolor, desde a fundação até a paralisação pela pandemia do novo coronavírus. A ideia não é escolher a partida com a técnica mais apurada e nem a mais grandiosa final, mas os seis confrontos que representaram dentro e fora de campo e ajudaram na transformação do clube até o ponto em que estamos.
Fluminense 3 x 2 Flamengo
Nelson Rodrigues disse que o Fla-Flu surgiu 40 minutos antes do nada. A frase, uma das mais famosas do cronista esportivo, pode ser usada como referência ao primeiro clássico da história dos clubes, em 1912. A rebelião dos jogadores do Fluminense, que culminou na fundação do futebol do Flamengo, inaugurou a primeira grande rivalidade do esporte carioca, que serviu para popularizar a imagem de ambos na cidade.
Romantismo de lado, o primeiro Fla-Flu “antes do nada” foi marcado por capítulos de traição, aventura, pioneirismo e sede de poder. O personagem principal é Borgeth, ex-atleta do Fluminense, que liderou a rebelião com os companheiros de clube ao ter a sua titularidade preterida. Ele e os jogadores não aceitaram a decisão e, após uma série de conflitos internos, debandaram para o Flamengo, clube do qual Borgerth era remador.
Ao total, oito atletas, sendo seis titulares (Baena, Píndaro, Gallo, Amarante, Gustavo e Borgerth) vestiram rubro-negro no primeiro clássico entre as equipes. Porém, mesmo desfalcado e sem seus principais jogadores, o Fluminense venceu – de certa forma surpreendentemente – por 3 a 2, com direito a gol no último minuto. Ali, iniciou-se a maior rivalidade do futebol brasileiro até hoje, com clubes que cresceriam à sombra do outro.
Fluminense 3 x 0 Peñarol-URU
O relógio marcava 34 minutos do segundo tempo naquele trágico 16 de julho de 1950. Gigghia avançou pela ponta direita e bateu no canto do goleiro Barbosa. O placar de 2 a 1 fez o Uruguai calar os mais de 200 mil torcedores no Maracanã e conquistar a Copa do Mundo.
Gigghia, no entanto, voltou ao Maracanã dois anos depois para disputar a Copa Rio pelo Peñarol, do Uruguai. Mas o resultado foi diferente. Enquanto o Brasil ainda lamentava a perda do título, o Fluminense fez uma vingança com cara de reparação histórica no principal torneio de clubes do mundo à época – apesar de (ainda) não ser reconhecido como um Mundial pela Fifa.
A Copa Rio levou o Fluminense ao topo do mundo para os jornais da época. O título serviu para criar a identidade de clube vencedor aos olhos internacionais, assim como já havia acontecido com Palmeiras, Santos e Botafogo. Também imortalizou ídolos como Castilho, Pinheiro, Didi e Orlando Pingo de Ouro. Se hoje o Fluminense é reconhecido como um dos grandes do Brasil, o primeiro passo foi dado por aquele time.
Flamengo 4 x 1 Fluminense
O Fluminense passou a colecionar títulos no Rio de Janeiro, tornando-se o maior campeão carioca, e no país, conquistando o Robertão (Brasileiro), em 1970. Tudo caminhava bem, até que uma decisão impensável nos dias atuais e considerada irresponsável já naquela época pôs fim na hegemonia tricolor. O então presidente Francisco Horta decidiu promover um troca-troca de jogadores com os principais rivais, na intenção de nivelar o futebol no Estado.
Após um jantar de Horta com o presidente rubro-negro Hélio Maurício, o goleiro Renato, o lateral Rodrigues Neto e o atacante Doval tomaram o rumo das Laranjeiras, enquanto o goleiro Roberto, o lateral Toninho e o ponta-esquerda Zé Roberto seguiram para a Gávea. Mais tarde, outra troca, desta vez com o Botafogo: o ponta Mário Sérgio e o atacante Manfrini foram para General Severiano em troca do ponta Dirceu. Por fim, o Vasco levou para São Januário o lateral-esquerdo Marco Antônio, o volante Zé Mário e o zagueiro Abel Braga em troca do beque central Miguel.
O “Fla-Flu das trocas”, como populamente ficou conhecido, foi simbólico para mostrar como as mudanças prejudicaram o Fluminense. O Flamengo venceu o amistoso com goleada por 4 a 1 – show de Zico – e iniciou o declínio da hegemonia tricolor. O Flu ainda conquistou o Campeonato Brasileiro em 1984, mas ali se iniciou a derrocada que seria cobrada na década seguinte.
Fluminense 0 x 0 CRB
As trocas de Francisco Horta inauguraram uma série de crises dentro do Fluminense. Grupos políticos se separaram, membros da diretoria deixaram o clube e conflitos entre jogadores e dirigentes se tornaram frequentes durante anos. O clube, antes imbatível, estava fragilizado, o que culminou na queda para a Série B do Campeonato Brasileiro em 1998 e nos piores anos de sua história.
Um episódio específico fez explodir o tanque de gasolina que se transformou o Fluminense. Disputando a Série B, o clube não ia bem das pernas e revezava entre más atuações, protestos e jogadores reclamando publicamente. A moral do presidente David Fischel estava baixa, mas um lance no empate sem gols com o CRB, que tirou as chances matemáticas do Triclor de lutar pelo acesso, acabou de vez com o clima.
No fim daquele jogo, um pênalti foi marcado a favor do Fluminense e retirado poucos segundos depois. Uma decisão que até hoje é mal explicada e fez a arbitragem deixar o estádio debaixo de pedradas. Os jogadores cobraram publicamente por uma postura da diretoria, que pouco se movimentou e gerou um desânimo completo nas Laranjeiras. Para muitos, foi o estopim da crise que levaria o Fluminense a disputar a terceira divisão no ano seguinte.
Atlético-PR 0 x 1 Fluminense
O Fluminense, reforçado por um forte patrocinador e abraçado pela torcida, retornou à Série A do Campeonato Brasileiro em 2000. Mas, foram 23 anos sem títulos de expressão até a conquista da Copa do Brasil em 2007. O que o herói Adriano Magrão, o técnico Renato Gaúcho e o ídolo Thiago Silva não sabiam é que eles abriram a porta para um período vitorioso que duraria cinco anos.
Na Arena da Baixada, o jogo de volta (empate por 1 a 1 na ida, no Maracanã) das quartas de final contra o Atlético-PR não foi um espetáculo. Aliás, nem chegou a ser tratado com a devida importância na época. Mas o gol salvador de Adriano Magrão fez o foco do clube mudar, deixando o Brasileirão de lado e pensando exclusivamente na Copa do Brasil. O título levou o Fluminense para a Libertadore.
Posteriormente, o Fluminense acumulou os vice-campeonatos da Libertadores de 2008 e da Sul-Americana de 2009, mas também somou os títulos brasileiros de 2010 e 2012 e o terceiro lugar em 2011. Foram três anos seguidos disputando o principal torneio da América do Sul. O período mais vitorioso recente da história do clube.
Fluminense 5 x 2 Corinthians
A era de ouro do Fluminense teve fim assim como o vínculo com a Unimed, principal patrocinadora que injetava dinheiro no clube. A rescisão, anunciada em 2014, foi marcada pela briga política entre o então presidente tricolor Peter Siemsen e o da empresa de saúde, Celso Barros. O encerramento da parceria de 15 anos transformou aquela temporada em um processo de reconstrução que dura até os dias atuais.
Próximo do fim do Campeonato Brasileiro daquele ano, o Fluminense goleou o Corinthians por 5 a 2, no Maracanã. Porém, foi o atacante Fred quem chamou a atenção após fazer críticas sobre a postura da diretoria em relação ao futuro do clube. Hoje, tais declarações são vistas como previsões acertadas do camisa 9.
? Sei que o torcedor está do meu lado. Aquilo (protesto da torcida organizada) é coisa mandada. Se forem mandar fazer sacanagem comigo, estou de peito aberto. Mas, se estiver ruim, pego a minha viola, coloco no saco e vou embora. O que quero passar para a diretoria e para o grupo de opositores que mandaram fazer aquela sacanagem, é que estou aqui para defender essa camisa. Será que o torcedor vai ter paciência para a reformulação? A diretoria tem que estar mais à frente, ser mais organizada. Eu não sei como vai ser esse clube ano que vem. Presidente, se quiser me vender, contrata um cara rápido que eu faço 40 gols. Vão sair oito jogadores que jogam em qualquer lugar. Quem vem? “Mas o clube não tem grana?” Vamos passar por isso juntos. O clube tem que se organizar porque vai ser dificil. Quando pedem para todo mundo sair, vão sentir saudades daqueles mercenarios que, quando o bicho estava pegando, carregavam ? declarou o atacante.
Anos depois, as maiores críticas ao Fluminense foram exatamente pela turbulência causada pela briga entre diretoria e oposição, pela lentidão na reformulação do elenco, pela falta de força política dos presidentes e pela falta de organização interna no clube. Além disso, pela polêmica venda de Fred para o Atlético-MG. Problemas que perduram desde então.
Fonte: O Globo