Onze metros. A distância da linha do gol à marca da cal simbolizou o trajeto entre o Botafogo e a sonhada revanche. O que ninguém imaginava é que a volta por cima após três vices seguidos contra o Flamengo seria tão espetacular. Um pênalti cobrado com cavadinha levou o título do Campeonato Carioca, que completa dez anos hoje, para General Severiano.
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Campeão da Taça Guanabara, o Botafogo precisava vencer o Flamengo e levar a Taça Rio para ficar com o título carioca de forma antecipada. Parecia simples, mas os três vices assombrava o clube. Diante desse tabu, a solução criativa de Loco Abreu o tornou a imagem da conquista alvinegra, assim como a cavadinha.
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– Aquela conquista foi marcante para todos nós e por isso, mesmo que passe o tempo, o torcedor vai seguir lembrando. Falando por mim, tive a grande possibilidade e honra de ficar no muro dos ídolos do Botafogo – declarou Loco, que quase tatuou a taça de campeão antes mesmo de entrar em campo naquela final. Clique aqui para ver o depoimento completo de Loco Abreu.
– Na época, o Loco parecia um gibi. Era todo cheio de tatuagem. Ele fez uma tatuagem do filho dele no braço, mas tinha comentado que já queri a fazer a taça de campeão antes do jogo. Eu disse: “você é maluco”. Ele acabou não fazendo por respeito as instituições e para não dar gás para o adversário – revela o ex-volante Somália, que também virou herói naquela decisão ao salvar uma bola em cima da linha nos minutos finais da partida.
O pênalti decisivo foi marcado aos 26 minutos do segundo tempo, após o volante Maldonado agarrar o atacante Herrera dentro da área. O placar mostrava o empate em 1 a 1 e a cobrança de Loco Abreu surpreendeu até mesmo Luis Roberto, que narrou a partida pela TV Globo.
– Você é pego de surpresa, era uma decisão de turno para o Flamengo e de Estadual para o Botafogo. Quando o Loco Abreu bateu o pênalti daquele jeito, foi uma mistura de contemplação e surpresa quando você vê o grau de dificuldade para fazer isso. Quem disse que não tem golaço de pênalti, teve que voltar atrás – conta o narrador.
Loco cobrou 23 pênaltis de cavadinha ao longo da carreira, perdendo apenas dois: contra o Tijuana, quando defendia o Tecos (MEX); e contra o Fluminense, pelo Botafogo. Apesar de o tcheco Antonín Panenka ter sido o inventor deste estilo, o uruguaio aprendeu a técnica com Djalminha, companheiro de La Coruña, da Espanha.
– Eu nunca tinha visto a do Panenka, depois que fui jogar na Espanha que conheci. No Brasil, eu fui o primeiro a bate assim. O Loco é um dos caras que faz muito bem a cavadinha. Não é só chegar e cavar, tem que ter um diferencial. É chegar rápido na bola, dar a diminuída e esperar o goleiro pular antes. Se for muito devagar, o goleiro fica parado – conta Djalminha.
O Carioca de 2010 foi o único título conquistado por Loco pelo Botafogo, mas foi o suficiente para criar uma identificação enorme. Tanto que os torcedores seguiram os seus passos na Copa do Mundo da África do Sul, naquele mesmo ano, e o clube criou uma camisa azul para homenagear o uruguaio. Em 2011, recebeu as honras de cidadão carioca e fluminense, da Câmara Municipal e da Assembleia Legislativa, respectivamente.
Também foste herói
Se hoje Loco Abreu é herói, muito deve a outros personagens que ajudaram o Alvinegro a conquistar o título. Debaixo das traves, o ídolo Jefferson é lembrado pela defesa de pênalti de Adriano, nos minutos finais da partida, que levaria a decisão para as penalidades.
– Poucas vezes eu vi uma tensão tão grande. Os jogadores absorveram a pressão dos três anos anteriores. Quando fomos para a final, foi uma semana tensa. Os torcedores estavam apreensivos, muitos até chorando e dizendo que não poderíamos perder de novo. A cavadinha do Loco mostra como isso lavou a alma. Ele assumiu a responsabilidade de vencer um clássico daquele jeito. Ficou mais na história o jogo de 2010 do que os três outros anos perdidos – conta Jefferson, que completa:
– Pegar o pênalti no momento difícil, com o Flamengo crescendo na partida, de um dos maiores jogadores do mundo… foi sensacional. Eu sabia que tinha que mostrar o meu potencial para o Botafogo e foi muito mais do que eu esperava. Mas não podemos esquecer de todos os jogadores, do comprometimento, do Alessandro que foi importante na preleção, do Joel quase infartando, do Somália salvando uma bola em cima da linha. Tudo isso foi importante.
O título também resgatou a frase do ex-goleiro Manga, famosa nos anos 60, que dizia “Contra o Flamengo, o bicho é certo.” O arqueiro costumava dizer que o “bicho” já era uma certeza, por conta do histórico positivo do Glorioso contra o rival nos confrontos diretos naquele tempo, em um time que contava com nomes como Garrincha, Nilton Santos e Jairzinho.
Fonte: O Globo