O coronavírus derrubou qualquer previsão sobre o início dos campeonatos da temporada que está por vir, mas a International Football Association Board (Ifab), órgão que define as regras do futebol, já publicou as diretrizes a serem implantadas, inicialmente, a partir de julho. Por aqui, os ajustes na regra valerão no Brasileirão. Há alterações sutis, e a mais importante delas envolve a sempre polêmica relação entre bola e mão/braço.
Em lances de ataque, a ordem é marcar toque involuntário só quando ele gerar de imediato uma situação de gol ? algo que demandará interpretação. Nesse contexto, a Ifab tentou ser esclarecedor ao delimitar onde acaba e começa o braço: da linha da axila para cima não é falta. Até uma imagem foi usada para exemplificar. Resolvido o problema? Não.
? No campo é muito difícil ver se a bola bateu só no ombro ou se bateu no ombro e no braço, já que a circunferência da bola costuma ser maior do que a região da axila. É óbvio isso. Como ter certeza que a parte da bola que tocou no jogador foi acima ou abaixo da axila? ? diz Sandro Meira Ricci, árbitro brasileiro nas últimas duas Copas do Mundo e comentarista do Grupo Globo.
A orientação traz reflexos diretos para quem está na função de árbitro de vídeo. Em lances capitais, enxergar onde exatamente a bola tocou talvez só seja possível via tecnologia. Isso pode colocar em risco o princípio da mínima interferência do VAR no jogo. Na nova lista de orientações, a própria Ifab deixou expresso que os árbitros de campo devem ir à área de revisão à beira do gramado para avaliarem por si mesmos as situações interpretativas.
? Vai ficar procurando formiga, detalhes, coisas pequenas ? pondera Sandro.
Além da área a ser considerada, outro debate se dá em relação ao posicionamento do braço como um todo no momento do eventual toque na área permitida pela regra: aberto ou fechado?
? É óbvio que se o braço estiver acompanhando a linha do corpo não vai ser infração. Mas e se tiver com o braço aberto? Isso será assim também? Essa é uma grande questão. Não está no texto da regra, mas é ponto para refletirmos a respeito de como será feita essa aplicação ? pontua Manoel Serapião, ouvidor de arbitragem da CBF, que faz a tradução para português dos documentos que chegam dos órgãos internacionais.
A reação em cadeia pela delimitação do que é braço prossegue em lances de impedimento. Na cabine do VAR, quando o lance é muito complicado, há um software que serve para compensar a paralaxe ? impressão que um objeto está à frente do outro por causa do ângulo da câmera. Hoje, as linhas traçadas nos jogadores ficam na interseção entre ombro e braço.
? Com a nova orientação, a linha de impedimento vai ficar na parte lateral do ombro do penúltimo defensor (se o braço estiver fechado) ou depois da axila (se o braço estiver aberto). Serão centímetros a mais que poderão favorecer o ataque e aumentar os gols, principalmente se lembrarmos que tivemos gols anulados por milímetros ? afirma Sandro Meira Ricci.
Bom para goleiros
Os ajustes na regra também dizem respeito aos goleiros. Eles não serão mais penalizados com cartão amarelo na primeira vez em que se adiantarem em cobranças de pênalti. A ordem é primeiro dar advertência verbal e voltar a cobrança. Se o fato se repetir, aí, sim, punir com cartão. Quem é do ramo aprovou a medida:
? Isso é bom porque pode evitar punições injustas. Tem situações que você explode com tanta força e, com o VAR, o árbitro vai sempre pegar. O goleiro pode ser expulso. Não é uma situação que se mede a gravidade com um pé à frente ou dois. Às vezes nem é propositalmente ? pondera o goleiro Fernando Prass, atualmente no Ceará, que tem treinado em casa durante a paralisação do futebol.
Prass, de 41 anos, comprou e alugou aparelhos para se manter ágil. Ele conta que a corrida do batedor pode induzir o goleiro a se mexer na linha:
? Se o atacante diminui um pouco, há chance de causar desequilíbrio.
Prass guarda na memória e cita como exemplo o cartão amarelo que tomou em 2017, quando enfrentou a Ferroviária pelo Palmeiras, no Paulistão. O goleiro se adiantou porque Alan Mineiro mudou a passada. O árbitro mandou voltar. O adversário mudou o canto da batida e fez o gol.
Outra orientação da Ifab que tranquiliza o goleiro é o fato de que os cartões amarelos tomados durante a partida não serão carregados para a disputa de pênaltis. Mas os clubes precisam de atenção. Se um jogador levar dois amarelos, eles são levados em conta na contagem de cartões para efeitos de suspensão ao longo das competições.
Manoel Serapião está em fase de conclusão da tradução das diretrizes publicadas pela Ifab. A previsão é que o documento seja remetido à comissão de arbitragem, presidida por Leonardo Gaciba, na próxima semana. Em tempos de pandemia, os árbitros têm recebido instrução via vídeo. Em breve, conteúdo novo será acrescentado à grade.
Fonte: O Globo