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Usuários de apps de paquera se reinventam na quarentena para driblar carência



O mundo dos relacionamentos nunca mais foi o mesmo depois dos aplicativos de encontro. Milhares de pessoas começaram a conquistar ‘crushes’ pelo celular e as interações deram até em amor: só em 2019, dez a cada 100 membros da comunidade nupcial Casamentos.com.br se conheceram por apps como Tinder, Grindr, Happn e Badoo. Apesar de a tecnologia trazer essas possibilidades, a quarentena causada pelo novo coronavírus está mudando as intenções das pessoas nessas plataformas – e o que não falta é lamentação entre os solteiros.

Fadados ao isolamento, milhares deles se reúnem diariamente no grupo do Facebook Acervo de Cantadas Chiques para falar sobre a solidão que sentem. Muitos demonstram ansiedade por não saberem quando vão retomar as paqueras; já outros se limitam a rir com memes ou tentam ocupar a cabeça com algum passatempo. Mas o que é unânime por lá é o apelido dado a este momento: carentena, mistura de carência com quarentena.

Victória Araújo, de 26 anos, é uma das que sentem o efeito virtual da covid-19. Solteira há um ano e meio, ela usa Tinder e diz que a pandemia fez com que as relações na ferramenta se tornassem ‘insuportáveis’. “O que já era péssimo em termos de assunto ficou pior. Os homens com quem converso [25 a 32 anos] não estão bem informados sobre o que tá acontecendo e a maioria ignora o problema usando xavecos péssimos sobre isso”, reclama. “O papo é quase sempre o mesmo: ‘ah, mas estão exagerando, né? Gente da nossa idade está segura’. Ou: ‘Tudo bem a gente dá um beijo de máscara’.”

Memes do Twitter sobre a quarentena dominam grupo de solteiros do Facebook
Memes do Twitter sobre a quarentena dominam grupo de solteiros do Facebook

Foto: Reprodução / Twitter / Estadão

A jovem conta ainda que o flerte com os pretendentes esfriou. “Está todo mundo louco por não poder sair de casa, então tem gente usando o outro de muleta emocional por não saber lidar com as questões sozinho”, explica. Camila Voluptas, de 36 anos, usa a rede social de swing Sexlog com o marido e também enxerga essa situação por lá. “Alguns casais que eram ativos na plataforma [antes da covid-19] estão se distanciando por não saberem lidar com os problemas dentro de casa”, diz ela, que é dona de um clube liberal de São Paulo, o Voluptas Society, e conselheira amorosa.

“A procura de casais por ajuda emocional aumentou muito [com a quarentena]. Eles estão mais tensos e brigando pela convivência excessiva e pelo próprio caos social que o coronavírus tem causado”, relata. Camila orienta gratuitamente cerca de 40 homens e mulheres (casados e solteiros) por dia pelo Sexlog ou não. Apesar dessas dificuldades, a empresária conta que a movimentação na rede social segue agitada. “Quem tem receio de swing, toma coragem para um contato virtual seja por conversas ou pelo exibicionismo, pois é uma forma de apimentar relações sem correr riscos [de ser infectado].”

Cláudio Oliveira, de 53 anos, é um dos que tentam absorver o lado positivo da quarentena nos apps. Divorciado há seis anos, ele afirma que a doença está sendo um gancho para puxar papo com as mulheres com quem dá ‘match’ pelo Tinder e o Happn. “Estou com mais assunto. Mas de uma semana para cá eu tenho fugido [por conta da pandemia]”, diz.

Edival Gabriel também vem ‘fugindo’, mas de uma forma carinhosa. Ele usava aplicativos de namoro até conhecer sua atual namorada, Camila Gonçalves, em novembro do ano passado. E não mede esforços para manter o contato com ela. De quarentena cada um em suas casas, o casal resolveu dormir um do lado do outro por webcam. “O que Deus uniu a quarentena não separa”, diz Camila:

Segundo o psicólogo e médico clínico geral Roberto Debski, essas interações positivas não são apenas uma forma de driblar a solidão, mas também uma maneira de fugir do estresse, ansiedade e até mesmo problemas fisiológicos que maus sentimentos podem causar. Isso porque reações emocionais negativas deprimem o sistema imunológico devido à maior produção de adrenalina e cortisol, o hormônio do estresse. “[Imunidade baixa] nos deixa mais vulneráveis a pegar vírus e bactérias, incluindo o coronavírus”, explica a médica nutróloga Mariela Silveira.

Rede social de noivos vira ‘arena de lamentações’

Enquanto a carência segue acirrada em plataformas para solteiros, a rede nupcial Casamentos.com.br se tornou um palco de preocupações de noivos que estavam com o matrimônio marcado antes da pandemia.

Segundo uma pesquisa da empresa com 2,6 mil usuários da Itália, Espanha e França, onde a situação está mais crítica, 91% dos casais optaram por adiar e apenas 8% irão cancelar a cerimônia. A CEO da comunidade de noivos, Nina Pérez, acredita que essa decisão se repetirá no Brasil devido ao alto investimento empregado: o preço médio dos casamentos no País é R$ 34 mil. Nos comentários do site, mulheres compartilham a angústia que sentem diante da pandemia. Geysa, do Espírito Santo, relata que está com a cerimônia marcada para junho deste ano e não sabe o que fazer. Renata, do Paraná, ia se casar em 21 de março, mas um decreto do governador Ratinho Junior determinou a suspensão de eventos com mais de 50 pessoas no Estado um dia antes do casório. “Estava tudo pronto. Me desesperei e chorei muito”, lamentou.

Aplicativos ligados no coronavírus

Os apps de namoro estão estimulando as pessoas a ficarem dentro de casa. E isso de forma alguma está prejudicando os acessos, pelo contrário. Com base nas métricas dos algoritmos, o Badoo – rede com mais de 460 milhões usuários – identificou um maior número de conversas longas e vídeo-chamadas no aplicativo em todo o mundo nas últimas semanas. O tempo e a frequência das respostas também aumentaram.

Cientes de que o isolamento social pode abalar o emocional, a empresa começou a divulgar na plataforma o aplicativo brasileiro de terapia online Zenklub, que está oferecendo a primeira sessão a R$ 1 durante a quarentena. O Tinder também viu os números se elevarem: em dados obtidos com exclusividade pelo E+, a companhia revela que as conversas brasileiras aumentaram em cerca de 25% e elas ficaram 20% mais longas nas últimas semanas.

Já o Happn, cujo slogan é “encontre as pessoas que cruzem seu caminho”, vai aumentar o raio de encontros de 250 metros para 90 quilômetros quando o fluxo de interação entre os perfis cair. A decisão foi tomada após usuários reclamarem que estavam dando cada vez menos ‘matches’ no app devido à quarentena. A empresa francesa afirma ainda que o número de mensagens trocadas aumentou nos últimos dias com o isolamento social.

O Grindr e o Tinder, por sua vez, estão orientando os usuários a tomarem precauções e liberaram funções premiums, que permitem aos não-assinantes interagirem com gente de todo o mundo; antes, só era possível dar ‘matches’ em pessoas de um raio geográfico limitado.

*Estagiário sob a supervisão de Charlise Morais

Veja também:

Brasil ultrapassa mil mortes por Covid-19

Estadão

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Fonte: Terra Saúde


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