Passados quase 15 dias que a CBF suspendeu os jogos de futebol em âmbito nacional, não há praticamente nada que mantenha a ligação entre o torcedor e o seu clube do coração no Brasil. Não perder esse engajamento é vital para quando a bola voltar a rolar, e isso dependerá da criatividade e do bom senso das equipes, especialmente para com seus sócios-torcedores. Até agora os clubes da Série A ainda engatinham em sua maioria na busca por soluções para manter uma das poucas receitas relevantes que podem sustentar as agremiações durante a crise do novo coronavírus.
Entender como o torcedor é afetado nessa engrenagem é o terceiro capítulo de uma série especial de reportagens em que O GLOBO vai mostrar como o futebol sobrevive em tempos de pandemia.
– É a grana para segurar o clube nesse momento que as receitas não estão entrando. Quem tem muito sócio e inadimplência baixa vai conseguir respirar melhor – alerta Jorge Avancini, Especialista em Marketing Esportivo.
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Até agora, se o Palmeiras foi quem agiu mais rápido ao ampliar o prazo dos planos existentes para uso em jogos na volta do calendário esportivo, o Ceará foi mais criativo. Além da prorrogação por mais 30 dias, criou um jogo virtual contra o vírus, em que os sócios precisam fazer check-in em qual ambiente da casa eles irão ficar. Já há mais de 10mil confirmações.
No Bahia, a primeira medida popular foi adotada nesta quinta-feira. O clube abriu a possibilidade de desconto para quem tiver dificuldades de honrar o pagamento do plano.
“Se o seu caso é de maior dificuldade, mas ainda quer seguir junto e ver o seu nome eternizado na história do clube, nós vamos oferecer um desconto dentro do nosso limite. Mas é só se precisar mesmo, tá?!”, diz o texto enviado aos torcedores. O clube também ofereceu desconto em produtos.
O modelo é inspirado em exemplo do Chile. O Colo-Colo focou nos sócios mais afetados pela pandemia, e deu até três meses de isenção a quem comprovar redução da renda..
– Me parece o mais indicado para algumas regiões do Brasil. Onde há torcedores com situação favorável, acha outro modelo. Os clube estão encolhidos depois de 15 dias. A maioria não fez nada para o sócio que vai sofrer – lamentou Avancin, que completou:
– Se vai perdoar dívida, se vai repactuar. Uma coisa é não pagar de má fé. Outra é que gostaria de pagar mas não pode. São casos diferentes, tem que avaliar- reforçou.
Nos demais clubes, muitos estudos, poucas ações. O Botafogo se antecipou aos demais cariocas e informou que seus sócios poderão continuar usufruindo de benefícios até o encerramento dos torneios, não importa quando terminem. Além disso, terão desconto na renovação.
Flamengo, Vasco e Fluminense ainda não divulgaram a forma como vão lidar com o possível aumento na inadimplência durante o período sem jogos. Segundo Jorge Avancini, a média de não pagamentos vai crescer.
– A inadimplência média é entre 9% e 12%. Agora vai chegar de 20 a 25%, até 30%. O que cada clube deve fazer é avaliar o seu cenário e ver qual remédio vai dar para o sócio – explica.
Cenários diferentes em cada clube
Para cada região do Brasil, a realidade é diferente. Assim como o modelo de plano de sócio-torcedor. O Palmeiras tem um programa que depende diretamente da disputa de lugares para os jogos. Talvez mais do que qualquer outro clube.
O valor que o sócio dá para o programa é o lugar/desconto para jogos na Arena. O clube paulista tem a patrocinadora Crefisa como braço econômico forte e não precisa de seu sócio como fiador da saúde financeira.
O caso do Cortinhians é semelhante em termos de modelo de programa, com estádios cheios, mas até agora o clube não anunciou qualquer medida para evitar perda de receita do sócio-torcedor. Procurada, a assessoria informou que a direção não iria se posicionar sobre o tema.
Há casos de clubes em que sócios têm participação política, o que é mais um incentivo a permanecer com os planos. São eles: Internacional, Santos e Bahia. Para Jorge Avancini, que ajudou a implementar esse modelo no Inter em 2002, isso não é garantia de que não haverá inadimplência.
– A fuga do sócio vai vir se ele votar ou não. Em função da crise gerada, do desemprego. Os sócios que não estão convencidos e não veem tanto valor agregado têm a tendência de abandonar o clube, vai ficar inadiimplente, e só voltar quando os campeonatos retornarem – prevê.
Uma das formas que os clubes encontraram para prender o torcedor foram os planos semestrais ou anuais com pagamento no cartão de crédito. Como o mês da crise em função da pandemia ainda não terminou, os departamentos de marketing contabilizam o prejuízo para tomar medidas.
Profissionais da área entendem que quem tiver perfil mais popular tende a sofrer mais perdas da base de sócios. No caso do Flamengo, por exemplo, já houve saída de alguns milhares de torcedores, e o clube tem hoje menos de 120 mil adeptos.
Mas a impressão dos clubes é que tudo dependerá do horizonte de retorno, o tempo para a volta o futebol. Alguns trabalham com o fim de abril, outros preveem mais.
“Quando e se estabelecerem de fato um horizonte longo de retorno dos jogos aí teremos impactos maiores”, disse um executivo de um clube brasileiro.
O Santos avalia os impactos e o comportamento da base de sócios. Já o Grêmio está fazendo uma análise do que vem pela frente para tomar medidas efetivas que já estão sendo definidas. O alento é que o mês de março por ora está salvo. A diretoria aguarda o vencimento das mensalidades no próximo mês, no dia 5, pra se saber exatamente o que será feito.
No Atletico-MG não foi tomada até agora nenhuma medida mais concreta. O clube havia estreado há poucos dias o novo plano “Galo na Veia”, que é escorado na compra de ingressos. Com a paralisação dos campeonatos, houve queda do movimento de adesão. Mas ela ainda é tratada como uma situação atípica, sobretudo pela incerteza que ainda cerca o calendário.
Segundo Jorge Avancini, se os sócios não sofrerem impactos em suas receitas, tendem a continuar ajudando. Mas há outros fatores que influenciam, diz o especialista.
– Cada clube tem suas regras. Cada plano foi adequado à realidade local. Cada um tem um conceito. Adquirir ingressos para ir ao jogo, ajudar o clube. Tem o resultado de campo. Até parar, como estava performando? – acrescenta.
O Fortaleza ainda considera qualquer medida prematura.
– Ainda é prematuro pensar em alguma mudança nos planos, mas estamos em constante monitoramento em caso de a situação permanecer por um período maior. Não sabemos quando os jogos vão voltar, por enquanto eles não foram cancelados, mas adiados, e até por isso a demanda permanece – disse o presidente Marcelo Paz.
Fonte: O Globo