Mais nova atração do futebol do Rio, Keisuke Honda recebeu convites para acompanhar o desfile das escolas de samba in loco. Mas recusou todos. A notícia repercutiu positivamente entre os torcedores do Botafogo, que exaltaram o seu profissionalismo. É tudo muito diferente do que se via nos anos 1990, em que seria pouco provável um jogador ser malvisto por cair na folia ? seria possível até criticar Honda pela “desfeita?.
Durante décadas, futebol, samba e Carnaval caminharam lado a lado, a ponto de jogadores serem presença constante na Marquês de Sapucaí e até em blocos de rua. Nas arquibancadas do Maracanã, o sucessos do Carnaval ditavam o ritmo. Hoje, o ritmo perdeu a preferência das torcidas e os atletas vão, no máximo, aos camarotes.
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Uma série de mudanças nas últimas duas décadas podem ter levado a esse distanciamento. A principal delas talvez esteja na evolução do futebol enquanto mercado. Com cifras mais volumosas do que no século passado, o jogo exigiu dos atletas um compromisso maior com o preparo físico e passou a ter um calendário mais encorpado.
? Você não tinha nem treino. Parávamos no sábado e só voltávamos na Quarta-Feira de Cinzas. Os preparadores até passavam algumas orientações, mas liberavam a gente para brincar muito, pois isso mantinha o corpo em atividade. Só pediam para moderar na bebida. Aí era mais difícil ? lembra Edu Coimbra, ídolo do América que, ao lado do irmão Zico, criou o bloco Juventude de Quintino, com o qual faziam barulho pelas ruas do bairro suburbano e colecionavam vitórias nos concursos do Pontal Praia Country Clube, em Vargem Grande, nos 1970.
O cenário relatada por Edu é impensável hoje. A Quarta de Cinzas deixou de ser reapresentação pós-Carnaval e virou, para muitos, dia de jogo. O Fluminense, estreará na Copa do Brasil contra o Moto Club, em São Luís. E o Flamengo decidirá o título da Recopa Sul-americana contra o Independiente del Valle, no Maracanã ? depois de ter feito a final da Taça Guanabara ontem.
? O carnaval é uma data cultural do povo brasileiro. Eu tenho que perceber isso. Nós, em Portugal, temos um dia. Vocês, uma semana. Mas no futebol, quando se enquadra o carnaval, temos que olhar primeiro para a responsabilidade profissional. Em razão do segundo jogo da Recopa, este Carnaval vai ter que deixar de existir ? comentou o técnico no último fim de semana, antes do 2 a 2 no jogo de ida com os equatoriano.
Mudança de perfil
Mas responsabilizar apenas a profissionalização do futebol é simplificar o olhar sobre o fenômeno. O próprios atletas passaram por transformações. Se a geração de Zico, Roberto Dinamite, Moisés e Perivaldo era ligada a de sambistas como João Nogueira e Roberto Ribeiro, hoje a afinidade é maior com artistas de outros segmentos. Até a religião virou fator de influencia.
?Você tinha um jogador como o Alcir Portela, que era importante na comissão de frente da Imperatriz e nas rodas do Cacique de Ramos. Você tinha o Bloco das Piranhas de Madureira, com a presença de vários jogadores de futebol ? cita o historiador Luiz Antônio Simas. ? Hoje, eles têm uma ligação maior com o mercado agro, onde quem impera é o sertanejo. E acho importante dizer que há um recorte evangélico muito grande, no qual é forte o discurso com viés de demonização do carnaval e da cultura afro.
Jerônimo Barreto tem 49 anos de carnaval, sendo 42 na Beija-Flor, pela qual ganhou um Estandarte de Ouro na categoria personalidade em 1988. Além disso, são 39 de Fluminense. Gegê, como é mais conhecido, se acostumou a esbarrar com futebolistas na Sapucaí.
Em 1986, ano da Copa do México, viu o Fluminense tricampeão carioca ser atração do desfile da Beija-Flor. Em 2002, levou toda a comissão técnica de Oswaldo de Oliveira ? além de jogadores como o volante Roberto Brum, o atacante e hoje comentarista Caio Ribeiro e o zagueiro Régis ? para desfilar pela nilopolitana.
? Hoje eles querem camarote ? conta. ? O jogador se cuida mais. Ele até vai lá, vê duas escolas para dar moral a quem o convidou para o camarote e depois “rala peito?.
A ascensão e o enfraquecimento da relação entre futebol e carnaval pode ser resumida pelo bloco das piranhas de Madureira. Criado no início dos anos 1970 pelo zagueiro Moisés (1948-2008), levou jogadores à Zona Norte até meados dos anos 1990. Diante do desinteresse das gerações seguintes, ele passou o comando para a banda do bairro. E a presença de atletas evaporou.
?Foram 25 anos com as mesmas pessoas saindo no bloco. Quando começamos tínhamos 20 e poucos anos. Já estávamos cinquentões, bois cansados. Não aguentávamos mais ? resume o ex-atacante Dé. ? Agora tudo mudou mesmo.
Fonte: O Globo