O internato em que estudei, na década de 1990, foi o microcosmo perfeito para qualquer pessoa interessada em como a “sobrevivência do mais forte” acontece entre os humanos.
Em uma casa com mais de 50 garotos indisciplinados, todos nós empregávamos estratégias para evitar que ficássemos isolados e fossemos vítimas de bullying, desde formar alianças até ganhar popularidade vendendo baterias baratas (a minha abordagem era cultivar a reputação de fanático por caratê).
Havia uma minoria de meninos grandes, cujo tamanho fazia com que não tivessem que se preocupar. Esses caras tinham uma arrogância e confiança compreensíveis — suas personalidades extrovertidas e assertivas pareciam refletir sua força física.
Essa correspondência entre os traços físicos e de personalidade era por acaso ou suas personalidades se desenvolveram como resposta ao físico?
Uma teoria sustenta que poderia ser esta última hipótese. Conhecida como “calibração de personalidade facultativa”, ela afirma que nossas personalidades se desenvolvem da maneira que melhor se adapta às outras heranças genéticas que recebemos, incluindo tamanho, força e o quão atraentes somos.
Algumas evidências apoiam essa teoria e indicam que a aparência de uma pessoa influencia não apenas seus traços de personalidade, mas também suas abordagens para encontrar parceiros românticos e crenças políticas.
(Vale notar que a teoria ainda está em estágios iniciais de teste, pois até agora se baseia em dados que mostram correlação, mas não causalidade, e porque existem explicações alternativas para esses resultados, por exemplo, a ideia inversa, de que traços de personalidade podem moldar nosso corpo.)
Considere, por exemplo, a extroversão, que envolve não apenas ser uma pessoa sociável, mas também aventureira e disposta a correr riscos. Historicamente, ao longo da evolução humana, faria sentido que pessoas mais fortes e com mais capacidade física explorassem suas vantagens corporais sendo mais extrovertidas.
Isso é exatamente o que algumas pesquisas descobriram. Um estudo da Universidade de Göttingen, na Alemanha, relatou recentemente que, entre mais de 200 homens, aqueles que eram fisicamente mais fortes e que tinham corpos mais “másculos”, com peitorais e bíceps maiores, também tendiam a ser mais extrovertidos, especialmente no sentido de serem mais assertivos e fisicamente ativos.
Essa associação entre força e extroversão não foi encontrada entre as mulheres do estudo.
Outra pesquisa constatou que homens fisicamente mais fortes também tendem a ser mais propensos a agressões e menos neuróticos (por exemplo, menos medrosos e preocupados).
Isso faz sentido se olharmos para a personalidade como uma estratégia adaptativa. Se você é fisicamente fraco, é provável que seja cauteloso com o risco para prolongar sua vida útil. Mas se você é forte, pode se dar ao luxo de correr mais riscos.
Estudiosos de ecologia comportamental dizem que há exemplos intrigantes dessas ideias no mundo animal. Esses pesquisadores observaram como, em muitas espécies, a “personalidade” do animal (sua tendência a ousadia ou timidez) varia em resposta ao seu estado corporal — por exemplo, um estudo mostrou que aranhas saltadoras maiores eram mais ousadas diante de um potencial predador do que as menores.
Muitas das pesquisas em humanos sobre a associação entre força física, extroversão e agressividade se concentraram nos homens. Isso ocorre porque, de acordo com a Teoria da Evolução, a força física e a capacidade para lutar são mais um trunfo para os homens que precisam competir entre si por companheiras.
Um estudo da Universidade da Califórnia em Santa Barbara analisou homens e mulheres e encontrou a associação entre força física e extroversão, mas o vínculo era visivelmente mais robusto entre os homens.
O mesmo estudo mediu a atratividade dos participantes, outro atributo físico que poderia, em teoria, tornar vantajoso o desenvolvimento de um estilo extrovertido de personalidade. Os resultados mostraram que, tanto para as mulheres quanto para os homens, pessoas mais atraentes tendiam a ser mais extrovertidas — sugerindo, assim, que algumas dessas dinâmicas também podem se aplicar às mulheres.
“As descobertas atuais demonstram que grande parte da variação entre pessoas no que diz respeito à extroversão pode ser prevista a partir da força e da atratividade físicas”, escreveram os pesquisadores.
Não são apenas a extroversão e o neuroticismo das pessoas que estão associados aos seus atributos físicos. Outras pesquisas apontam que a forma como a pessoa se relaciona com parceiros românticos também pode ser uma adaptação estratégica influenciada por seus físicos, especialmente entre homens.
Por exemplo, em sua pesquisa envolvendo centenas de estudantes de graduação, Aaron Lukaszewsk, da Universidade Loyola Marymount, e seus colegas Christina Larson e Kelly Gildersleeve, da Universidade da Califórnia, descobriram que os homens (mas não as mulheres) mais fortes e mais atraente eram mais propensos a dizer que sexo sem amor é bom, e que eles poderiam fazer sexo com alguém sem serem próximos dessa pessoa.
Esse padrão é consistente com a ideia de que, entre nossos ancestrais do sexo masculino, aqueles com melhor forma física tiveram mais sucesso reprodutivo por fazerem mais sexo casual, e que essa estratégia sexual evoluiu desde então como uma resposta à capacidade física.
“As descobertas atuais apoiam a hipótese de que homens mais fortes e atraentes têm mais parceiros sexuais, em parte justamente porque esses homens são predispostos a buscar oportunidades de acasalamento sem compromisso”, afirmaram os pesquisadores.
Qual é o alcance dos laços entre a aparência e quem você é? Para os homens, até pontos de vista políticos poderiam ser consequência disso. Em um estudo publicado neste ano, dois cientistas políticos relataram evidências em 12 países, incluindo EUA, Dinamarca e Venezuela, concluindo que homens mais fortes e mais musculosos eram mais propensos a ser contra o igualitarismo político.
A lógica é que, em nosso passado ancestral, esses homens eram mais propensos a prosperar em uma sociedade em que cada um cuidava de si. Os resultados das mulheres foram inconclusivos, com alguns estudos encontrando correlação entre força e um endosso maior ao igualitarismo e outros mostrando o padrão oposto.
“Assim como a força física molda o comportamento de conflito de outros animais (por exemplo, acasalamentos e competições territoriais), a força física parece moldar o comportamento do animal político”, segundo os pesquisadores.
Muitas vezes pensamos que nossas personalidades e crenças refletem a essência de quem somos — seja tímido ou extrovertido, temeroso de compromisso ou parceiro dedicado, de esquerda ou de direita.
E gostamos de pensar que esses traços derivam de fontes mentais, morais ou mesmo espirituais. A ideia de que esses aspectos de nós mesmos possam, pelo menos em parte, refletir uma adaptação estratégica ao nosso tamanho físico e aparência permanece por enquanto uma teoria controversa.
Mas é uma ideia que, assim como uma casa cheia de garotos barulhentos, nos lembra de nossas raízes animalescas.
*Christian Jarrett é neurocientista e escritor de livros sobre psicologia.
Fonte: Terra Saúde