Tristeza, medo, raiva, nojo. O lado ruim das emoções negativas é o que primeiro vem à mente quando se pensa nesses sentimentos e sensações. Mas, como tudo na vida, até essas emoções possuem um lado bom. Partindo dessa premissa, o psiquiatra e colunista do Estado Daniel Martins de Barros pesquisou como a ciência pode nos ensinar a usar o que há de positivo nesses sentimentos e como isso pode estar a nosso favor. O livro O Lado Bom do Lado Ruim, lançamento da Editora Sextante, chega nesta quarta-feira, 19, às livrarias. Leia abaixo a entrevista que Barros concedeu ao Estado:
O título do livro é O Lado Bom do Lado Ruim. De onde veio a ideia dessa abordagem?
A inspiração foi um pouco científica, um pouco temperamental. Científica porque eu pensava que, se as emoções negativas foram mantidas na nossa programação mental, é porque têm função – elas deveriam ter um lado bom, uma utilidade. Mas tem a ver com minha personalidade, que é ser “do contra”. Acho que ajuda a explicar porque o desejo de ir contra a maré de incensar as emoções positivas e demonizar as negativas.
Você diz que a ciência nos ensina como usar a tristeza, o medo ou a raiva a nossa favor. Como isso se dá? Como colocar isso em prática no cotidiano?
Quando estudamos a origem das emoções negativas do ponto de vista psicológico e evolutivo, descobrimos que cada uma está lá para indicar algo importante para nós: perigos, riscos, incômodos, etc. Uma vez que desenvolvemos essa consciência, conseguimos tirar melhor proveito desses alertas. Além disso, a expressão das emoções é uma forma – negligenciada – de comunicação. Podemos nos fazer entender – e entender os outros – melhor quando atinamos para isso.
Em um trecho, você diz que “ninguém consegue se colocar acima das emoções”. As pessoas tendem a querer se livrar das emoções negativas, mas você mostra que isso é prejudicial. Por quê?
Uso sempre a analogia dos alarmes: ninguém instala um alarme para deixá-lo desativado. As emoções são alarmes para nos sinalizar situações – negativas, no caso das emoções ruins. Se em vez de prestarmos atenção a elas tentarmos simplesmente abafá-las, deixamos de receber o aviso que elas nos dão, o que acaba sendo prejudicial. A menor capacidade de discriminar as emoções está associada a um maior risco de depressão e comportamentos de autolesão, por exemplo.
Você dedica um capítulo do livro só à tristeza. O que ela pode nos ensinar?
Quando ficamos tristes é porque interpretarmos aquela situação como desagradável e indesejável, mas também inevitável e irreversível. É importante identificar esse sentimento, portanto, porque ele mostra que estamos nos vendo sem saída. A tristeza nos põe reflexivos, e a partir daí conseguimos pensar se de fato é algo sem solução. Se não for, serviu o alerta. Se for, a tristeza nos ajuda a digerir aquela perda.
E o que há de positivo em sentir raiva?
A raiva é uma emoção que nos impele à ação, para corrigir um erro: algo que consideramos injusto, indevido. Ela é o combustível da indignação, que luta por mudanças. Claro que pode também ser equivocada como quando temos raiva no trânsito ou com questões bobas do dia a dia. Mas até aí ela é útil, porque nos mostra que esperamos ter direitos demais, ou que as pessoas sigam nossas regras, e quando não o fazem temos raiva. Ela acaba sendo um alerta contra exageros nesse sentido.
Você também diz que a ansiedade tem um lado positivo. Qual?
O alarme que mais sinaliza perigo para nós é a ansiedade. Por mais que ela hoje em dia esteja exagerada para muita gente, no fundo ela nos traz uma informação essencial: isso pode ser perigoso, cuidado ao ir por aí, preste atenção. Tudo isso a ansiedade nos traz. E mais: a descarga de adrenalina que ela promove pode ser usada a nosso favor se conseguirmos extrair disso energia para lidar com a tal ameaça.
O estresse é outro ponto que você aborda no livro e que é algo rotineiro na vida das pessoas atualmente. Ele pode ser positivo? Como administrá-lo?
O estresse é fundamental para nosso dia a dia. Sem ele, fica impossível adaptar-se às mudanças, preparar-se para desafios, encarar determinadas batalhas. O grande problema não é o estresse, mas o estresse em excesso, seja em intensidade ou duração. O manejo do estresse passa por identificar exatamente quais são as suas fontes, que situações estão associadas a ele. A partir daí, evitar algumas que sejam evitáveis, mudar o enfoque diante daquelas que são inevitáveis, e aprender a não tentar resolver esses problemas ruminando-os mentalmente. Isso só serve para aumentar o estresse.
Muitos sentimentos ruins, quando persistentes, podem indicar um problema maior, como uma depressão, por exemplo. Qual o limite entre uma sensação ruim que um sentimento negativo causa e algo que pode te levar a ficar doente?
O grande sinal de alerta é a perda de controle – a pessoa não consegue reagir diante de uma tristeza, uma ansiedade ou raiva que lhe pareçam exageradas, por exemplo, e começa a ter prejuízos por conta disso. Fica difícil trabalhar, os relacionamentos se abalam, etc. Na dúvida, é sempre melhor procurar um profissional.
Você diz também que os sentimentos bons podem ter um lado ruim. Como?
Tudo tem mais de um lado, e apesar de toda a publicidade em volta das emoções positivas, elas têm um lado sombrio. A alegria, por exemplo, nos faz inconsequentes. Quantas vezes já não vimos prejuízos por causa da euforia do mercado, por exemplo. Além disso, com todo esse marketing da felicidade as pessoas começam a achar que a alegria é uma obrigação e se sentem frustradas quando estão apenas neutras.
Você diz também que vivemos numa sociedade em que a alegria é vista quase como uma obrigação…
Impor a alegria é algo sabidamente bastante prejudicial. Trabalhadores que são obrigados a se mostrar sempre de bom humor, por exemplo, têm mais estresse e desgaste profissional do que os outros. Não acho que as redes sociais sejam a causa do problema, encaro-as muito mais como sintomas dessa nossa mania. Não vejo problema em só postarmos fotos felizes, o problema é acreditar numa felicidade perpétua.
Fonte: Terra Saúde