O primeiro contato com a imprensa desde que foi anunciado como novo técnico do Botafogo deu a Paulo Autuori a oportunidade de reafirmar filosofias desenvolvidas ao longo de quatro décadas de carreira. De volta ao clube que o projetou no cenário nacional, com a conquista do Brasileirão 1995, Autuori propos nesta quinta-feira uma reflexão sobre a atuação dos treinadores e como a classe encara as transformações do jogo.

Aos 63 anos, ele foi cavalheiro e prometeu não extinguir por completo o que foi construído por Alberto Valentim, 19 anos mais novo. Os jogadores é quem vão dizer o que entendem como ponto positivo do antecessor. Autuori, claro, irá inserir o que achar pertinente a partir de então. Mas não espere do treinador alvinegro uma mera reprodução de um desenho tático simplesmente porque está na moda ou deu certo em algum certo rival. Autuori se colocou contra o que ele mesmo classificou como “ditadura” de modelo de jogo.

– A coisa mais linda da vida é a diversidade. Vejo todo mundo falar em diversidade, entender as minorias. Acho extraordinário. É a essência da vida. O que me preocupa nesse momento é a ditadura que está a acontecer em relação à maneira com que se tem que jogar. As mesmas pessoas que falam em preservar o direito à diversidade são as que exigem de uma única maneira: pressionando alto, saindo jogando desde trás. Conheço uma série de profissionais vitoriosos que trabalharam de maneira distinta e interpretaram o jogo de maneira distinta. Cada um tem a liberdade. Essa ditadura eu não vou permitir que ocorra aqui – ponderou o treinador.

Especificamente sobre o que se propõe a aplicar nos próximos meses de Botafogo, que marcam uma transição rumo ao modelo empresa, Autuori remete ao início de carreira como técnico, em Portugal. Ele indica que não montará uma retranca.

– Fui chamado de lírico, romântico, filósofo porque as equipes tentavam jogar futebol. Acho que isso eu não vou perder nunca. Tem a ver com tipo de personalidade. Meu tipo de personalidade não me permite ficar acuado esperando momento para agir. Meu tipo de personalidade me força a ir ao encontro das coisas – afirmou.

Ao longo dos 47 minutos de entrevista coletiva no Nilton Santos, essa não foi a única referência a episódios ao redor do mundo. O discurso articulado permite a Autuori fazer observações que, segundo ele, levam em conta os aspectos antropológico, social e filosófico do futebol. Daí vem um argumento para explicar o motivo de tantas demissões de treinadores – situação que não se restringe ao Brasil:

– Estamos cada vez mais intolerantes. O homem, de uma maneira geral, está com uma falta de tolerância enorme com tudo.

Com muita experiência no exterior, Autuori elogia a entrada de profissionais de fora do país no mercado nacional. Ele não citou diretamente Jorge Jesus, do Flamengo, mas usou como exemplos Jorge Sampaoli e Jesualdo Ferreira. Isso não o impede de reconhecer uma conjuntura que dificulta atualização e estudo do desenvolvimento do jogo por parte de quem trabalha no Brasil.

– O calendário brasileiro gera para o treinador a necessidade de estar focado só aqui porque não tem tempo para nada, a não ser jogar. Isso, por si só, gera uma atrofia no repertório em termos de treinos e de ideias de jogo. O calendário brasileiro exige que estejamos focados só na nossa realidade. Isso nos fez ficar longe daquilo que aconteceu em termos de transformações do jogo no mundo do futebol. Falei isso em 2013. Infelizmente, alguns colegas não aceitaram muito o que estava sendo falado. Hoje, estamos pagando o preço por isso – disse ele.

O técnico do Botafogo classifica como “estéril” a discussão sobre terminologia do jogo. Ele cita como exemplo as expressões “transição ofensiva” e “último terço”. Independentemente da adesão aos termos mais modernos, Autuori não atrela desatualização de treinador à idade. Até porque ele estabelece uma diferença entre idoso e velho:

– A idade chega para todos. Mas ser velho é quando você joga âncora em águas passadas e não se preocupa com a mudança dos contextos.