A “apreensão” deu lugar ao “alívio” ao fim das cerca de 40 horas da jornada de Wuhan, na China, epicentro do surto de coronavírus, rumo ao Brasil, segundo um dos diplomatas responsáveis pela operação de retirada dos brasileiros.
Em entrevista à BBC News Brasil, João Batista Magalhães disse que todos os passageiros “estão bem” e nenhum deles “apresentou qualquer sintoma” da doença.
“Para muitos deles foram meses de apreensão. Agora, todos estão aliviados”, disse ele por telefone, 1h após o pouso em Anápolis (Goiás), onde o grupo permanecerá em um hotel de trânsito da Aeronáutica durante uma quarentena de 18 dias.
O voo partiu de Wuhan, na China, com destino ao Brasil na madrugada de sábado (noite de sexta-feira no Brasil) e fez escalas em Ürümqi, na China, Varsóvia (Polônia), Las Palmas (Ilhas Canárias, território espanhol na África Ocidental) e Fortaleza (Ceará) até chegar à Anápolis (Goiás).
Dois aviões da FAB (Força Aérea Brasileira) participaram da operação. O Brasil também deu carona a quatro cidadãos poloneses e um chinês, que desembarcaram na Polônia.
Magalhães diz que foram tomadas medidas de precaução, a fim de checar a saúde dos passageiros.
Isso porque, segundo médicos, o coronavírus é altamente infeccioso e pode ser transmitido ainda no período de incubação, ou seja, quando a pessoa infectada não apresenta sintomas da doença.
“Quando saímos de Wuhan (China), mediram nossa temperatura e fizerem testes da mucosa do nariz e da garganta. Durante o voo, a cada quatro horas, checavam nossa temperatura. Nossas máscaras também eram trocadas e tínhamos que higienizar as mãos. A equipe médica a bordo que nos acompanhou usava um traje especial”, explica.
“Todos estão cansados, mas passam bem. Ninguém apresentou sintomas”, acrescenta.
Quarentena
Magalhães e o grupo de brasileiros terão que passar por uma quarentena. Eles permanecerão no hotel por 18 dias. Durante esse período, terão acompanhamento médico constante. O objetivo é assegurar que eles não representam risco de contágio para a população.
“Cada um aqui tem seu quarto. As famílias dividem o mesmo espaço. Quando estamos no quarto, podemos tirar a máscara. Mas quando acessamos a área comum precisamos colocá-la”, disse.
Magalhães e outros dois diplomatas brasileiros, que trabalham na embaixada em Pequim, foram mobilizados para coordenar a operação de resgate. Ele conta que o trio teve de dirigir por 16 horas da capital chinesa até Wuhan após receber uma autorização especial do governo daquele país.
Sem essa permissão, ninguém pode entrar ou sair da cidade, explicou o diplomata.
“Somos três diplomatas brasileiros lotados na embaixada em Pequim. Viemos de carro. Wuhan está em quarentena. Ninguém pode entrar ou sair. Obtivemos uma autorização especial para vir até aqui. Mas não temos autorização para voltar para Pequim. Tivemos de deixar o carro aqui. Vamos embarcar com os brasileiros e vamos ter de nos submeter à quarentena em Anápolis (Goiás)”, explicou ele à BBC News Brasil na sexta-feira, antes de embarcar rumo ao país.
Condições
De acordo com o Ministério da Defesa, a ala da Base Aérea que recebe o grupo conta com 38 quartos. Serão servidas seis refeições ao dia, mas todos devem se alimentar dentro de seus quartos para evitar a retirada da máscara fora dos apartamentos.
Exames para a presença do vírus serão feitos na chegada, no sétimo e no 14º dias. Se o resultado for negativo, os repatriados serão liberados após os 18 dias. Se for positivo ou o paciente apresentar quaisquer sintomas, ele ficará em quarentena até os sintomas passarem ou até que exames de teste para o vírus resultem negativos.
Segundo o Ministério da Saúde, regras de convivência sobre esse período seriam comunicadas aos repatriados pela Defesa.
No entanto, documento divulgado no sábado pelo governo adiantava que todos que entrarem na zona de quarentena devem usar máscara e todos que entrarem nos quartos, como profissionais de saúde e equipe de limpeza, devem usar também luvas, avental impermeável, óculos de proteção ou protetor facial e gorro.
Os repatriados devem receber atendimento psicológico, diz a pasta. Eles serão atendidos por uma equipe de saúde mental que vai avaliar seu grau de sofrimento e sugerir caminhos de tratamento — uso de psicotrópico, psicoterapia, ou apenas observação.
“As medidas de isolamento em situação de emergência trazem diversas mudanças na organização da vida das pessoas, alterando a rotina e promovendo afastamento com quem se mantém forte vínculo afetivo, podendo levar ao sofrimento psíquico. É esperado que em situações de isolamento e de um possível adoecimento as pessoas fiquem mais fragilizadas, chorosas, tristes ou com raiva, o que pode gerar efeitos negativos sobre a imunidade. Portanto é preciso cuidar do paciente em sua totalidade e de forma humanizada, considerando os aspectos físicos, o estado emocional, social e espiritual”, diz o documento.
Após apelo de brasileiros na China, que gravaram vídeo pedindo ajuda do governo, Bolsonaro anunciou que faria a operação de repatriação e quarentena. De acordo com nota divulgada pelos ministérios das Relações Exteriores e da Defesa, seriam trazidos todos os brasileiros que se encontravam naquela região e que manifestassem desejo de retornar ao Brasil.
Últimos dados
Até este domingo, foram confirmados mais de 37 mil casos de infecção pelo novo coronavírus, em sua grande maioria na China.
Ao todo, 813 pessoas morreram — 780 na província chinesa de Hubei, onde fica Wuhan.
Fora do país asiático, outros cerca de 300 casos foram confirmados em pelo menos 25 países, com uma morte, nas Filipinas.
Por enquanto, o Brasil não teve nenhum caso confirmado da doença.
O número de mortos pelo novo coronavírus já ultrapassou o registrado durante a epidemia da síndrome respiratória aguda grave (Sars, na sigla em inglês), em 2003, quando 774 morreram em mais de uma dezena de países.
No mês passado, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou uma emergência global de saúde em razão da disseminação do vírus.
O novo coronavírus foi reportado pela primeira vez em Wuhan, e a cidade vive agora em situação de isolamento.
Neste sábado, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, afirmou que o vírus ainda está concentrado na província de Hubei e que, nos últimos quatro dias, houve uma pequena estabilização no número de casos.
Segundo ele, porém, ainda é cedo para dizer se o vírus se estabilizou, já que epidemias podem, com frequência, desacelerar antes de voltarem e crescer.
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Fonte: Terra Saúde