Shelly-Ann Fraser-Pryce, 32 anos, está à vontade. Vitoriosa nos 100 metros e no revezamento 4x100m do Mundial de Doha, no ano passado, ela coroou seu retorno ao esporte com o filho Zyon no colo na volta olímpica.

Pela quinta vez, a jamaicana de cabeleira exótica foi indicada ao prêmio Laureus de Melhor Atleta do Ano, conferido anualmente a quem apresenta a melhor performance dentre todos os esportes. Divertida, ela conversou com jornalistas da imprensa internacional, entre eles a reportagem do GLOBO, sobre o que espera de Tóquio e da premiação, que terá sua 20ª edição no dia 17 deste mês, em Berlim.

O que significa essa quinta indicação para você?

Estou honrada, porque sei como o Laureus é prestigioso. Não é só pelo que fiz na pista, mas também pela plataforma que conquistei como atleta e pelas mudanças que provoquei quando pude voltar ao atletismo depois do nascimento do meu filho. Contribuí para o desenvolvimento do velocismo feminino. Estou ansiosa por estar na premiação.

Acha que é possível vencer em Tóquio-2020?

Sim, é possível. Considerando o 2019 que tive e tudo que ainda posso melhorar, isso me desperta. Eu rejuvenesci em 2019, um ano que me deu tempo para recobrar o foco mental daquilo que quero alcançar e eu vou batalhar para chegar na minha quarta Olimpíada.

Como você tem se preparado para esta Olimpíada?

Tudo fica mais difícil a cada ano, principalmente em anos de Mundial. A única coisa que estou fazendo de forma diferente é que baixei a quantidade de tempo em que levanto peso. Tenho experiência suficiente para saber do que meu corpo precisa e o que preciso escutar. Para mim, é apenas uma questão de manter consistência naquilo que faço.

Seu 1º ouro foi em Pequim-08. Como se manteve por tanto tempo no topo?

Quando eu me determino mentalmente a cumprir uma meta, faço tudo que for preciso. Um dos meus sonhos é correr abaixo de 10s70. Essa sempre foi a motivação e ainda é o que me incendeia. É o que me domina, por isso continuo trabalhando duro. não apenas na pista, mas me preparando mentalmente para poder bater esse tempo.

É difícil treinar e ser mãe?

Até agora tem sido bem difícil fazer os dois, principalmente porque, pequeno como ele é, eu fico querendo ter certeza de que vou presenciar cada etapa. Eu não estava lá quando ele disse a primeira palavrinha… mas muita coisa ainda virá. É muito difícil, porque treino todos os dias às 5h da manhã e volto para casa às 18h. Perco muito tempo fora e aí, quando chego em casa de noite, cansadíssima, tento ler para ele, brincar ou levá-lo para o parque. É difícil, mas tento ter tempo suficiente com ele, porque ele é minha prioridade. Sou grata pelo fato de que meu marido me ajuda a gerenciar esse tempo e ainda o leva para me ver treinar, mas é difícil. Muita gente não entende como isso consome meu tempo.

Na questão da gravidez, como você julga a igualdade entre homens e mulheres nos contratos publicitários?

Penso que uma coisa precisa ser entendida por parte dos patrocinadores: somos o que somos e é isso que nós fazemos, mas é preciso apoiar, porque você também precisar ficar de olho naquilo que o consumidor quer. A pessoa que está comprando sua marca pode ser uma mulher com filhos ou uma mulher que quer constituir uma família. Então não dá para excluí-las. Temos que incluí-las em tudo que fazemos, e isso também significa entender que elas precisam de um descanso. Elas precisam de licença maternidade e precisam voltar ao trabalho, e não se trata de escanteá-las, e sim de celebrar quem elas são. Porque muitas delas desistem de ter filhos porque acreditam que isso atrapalha a carreira. Assim, se mais pessoas entenderem que nós somos o que somos, isso ajudará muitas outras a crescerem e a envolverem mais gente. É possível ter um bebê e é possível começar uma família e ter uma carreira normal.

Depois do nascimento de Zyon, quando você entendeu que as coisas tinham mudado no seu corpo: sente que fisicamente você mudou?

Sim. Eu fiz uma cesariana, então tive muito desconforto quando ia para a musculação ou fazia exercícios extenuantes. Naquele momento, eu me lembro de quando comecei, dez semanas depois de dar à luz, eu tive que correr com uma cinta na barriga para ter certeza de que eu não estava mexendo demais, já que não podia fazer muitos abdominais naquela época. Só três meses depois do parto eu pude começar a trabalhar os abdominais. Foi quando eu reparei que as coisas não eram mais como antes e vi que precisava prestar atenção ao meu corpo. Forcei a dor. Em muitas atividades, se você não forçar a dor, você não chega lá. Então, para não reabrir a cicatriz e não ter nenhuma infecção, eu aprendi a me dar um tempo.

Zyon já entendeu que a mãe dele é uma atleta mundialmente conhecida?

Ainda não. Ele ama futebol, o que me surpreendeu, porque nem eu jogo, nem o pai. Mas ele ama, é superativo.

Tóquio-2020 vai ser sua última Olimpíada, ou mesmo sua despedida das pistas?

Como Olimpíada é de quatro em quatro anos, certamente será minha última olímpíada, mas não minha despedida. Eu ainda quero correr o Mundial de 2021 e defender meu título dos 100m nos Estados Unidos, que fica muito perto da Jamaica. Vai ser legal disputar um Mundial num país onde boa parte da minha família poderá me ver e torcer por mim, se Deus quiser numa prova competitiva. Mas sim, será minha última Olimpíada.

Qual a importância que ganhar um outro título em Tóquio terá para você?

Quero curtir essa jornada de chegar a mais uma Olimpíada com chances de ganhar o ouro de novo. Seria histórico e estou trabalhando muito para isso, mas não quero pressão excessiva, porque, caso não aconteça, não quero me frustrar. Tenho uma bela carreira desde que comecei nas corridas, e nada vaiu apagar o que já conquistei. Ir para minha quarta Olimpíada, ganhar uma medalha e subir ao pódio será tão histórico quanto ganhar ao ouro.

Você vai tentar a dobradinha (100m e 200m)?

Meu plano no ano passado era tentar o double, mas meu técnico decidiu que não.Ele não queria que eu tentasse, uma vez que estava voltando de uma pausa. mas neste ano vamos tentar, minha programação está voltada para isso e eu quero muito.

E o revezamento 4x100m?

Se eu estiver entre as seis melhores, será automático.

O que você pensa sobre o doping? A Wada está fazendo o suficiente? Tornou-se um grande negócio?

Para mim, o fato de que há muita gente sendo flagrada… acontece. Temos que continuar a educar e continuar a punir quando necessário. Se há gente sendo pega, está melhorando.

Pode falar para nós sobre as mudanças de cor do seu cabelo?

Eu amo cores vivas. Amo as que são brilhantes e alegres. Acho que me empolgo mais com a cor do meu cabelo do que quando corro.

Como é sua relação com Usain Bolt?

Somos muito bons amigos, cursamos o ensino médio na mesma época, e foi um privilégio vê-lo evoluir do nível escolar para o alto rendimento. E eu realmente queria que ele não se aposentasse ainda, porque acho que ele ainda tinha muito para dar. Mas cada pessoa sabe da sua jornada. Ele fez muito, mas eu gostaria que ele tivesse passado mais tempo nas pistas. Ele é um ícone. Nós o amamos e amamos o que ele conquistou.

Vocês dois são parte de uma geração de atletas que mudou a forma como vemos a Jamaica. Antes era o país de Bob Marley, agora é o país dos corredores. O que mudou no esporte da Jamaica desde que vocês começaram a brilhar?

Espero que as coisas continuem a ir bem como estão indo. Tanto ele como eu ficamos na Jamaica e conseguimos ser bem sucedidos. Se você vem de um país pequeno, é preciso entender que, para dar certo, como nação, é preciso investir em mais projetos e técnicos ligados a universidades e à tecnologia e ao planejamento esportivo, para que muitas pessoas possam aprender e ajudar o esporte da Jamaica a crescer.

Se você conquistar uma medalha de ouro em Tóquio, vai empatar com Bolt. Vocês brincam em relação a isso?

A gente fala disso. Como Usain está mexendo com música, acho que ele não está ligando muito para atletismo, mas ele quer que eu saiba que ele ainda está interessado. Seria legal mostrar que dá para fazer aquilo que ele fez. Ajuda as atletas mulheres a entender que podemos ir tão bem quanto um homem.