O mundo está lutando contra uma nova emergência de saúde global, um novo tipo de coronavírus, que se espalhou da China para pelo menos 20 outros países, incluindo o Reino Unido. Até a publicação desta reportagem, o coronovírus já tinha infectado cerca de 10 mil pessoas e o número de mortos chegava a 213 pessoas, todas na China.
O número de contaminados já supera o da epidemia da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars) que em 2003 contaminou 8,1 mil pessoas, sendo que naquela ocasião, o número de mortos chegou a 750.
Nesta sexta-feira (31/01), o governo britânico confirmou os dois primeiros casos da doença no país.
No Brasil, nove casos suspeitos estão sendo investigados.
Surtos de novas doenças infecciosas são tipicamente vistos como “únicos”.
Mas o novo vírus — que se acredita ter originado da vida selvagem — lança luz sobre o risco de doenças transmitidas por animais. É provável que isso seja mais um problema no futuro, pois as mudanças climáticas e a globalização alteram a maneira como os animais e os seres humanos interagem.
Como os animais podem tornar as pessoas doentes?
Nos últimos 50 anos, uma série de doenças infecciosas se espalhou rapidamente após saltar dos animais para os seres humanos.
A crise do HIV/Aids dos anos 80 teve origem nos primatas, a gripe aviária de 2004-07 veio de aves e os porcos nos deram a gripe suína de 2009. Mais recentemente, foi descoberta a Sars, também causada por um vírus do tipo corona, oriunda de morcegos, via civetas (um pequeno mamífero asiático), enquanto os mesmos morcegos também foram os precursores do Ebola.
Os seres humanos sempre contraíram doenças de animais. De fato, a maioria das novas doenças infecciosas vem da vida selvagem.
Mas as mudanças ambientais estão acelerando esse processo, enquanto o crescimento da população das cidades e do número de viagens internacionais faz com que, quando essas doenças surgem, podem se espalhar mais rapidamente.
Como as doenças podem passar entre as espécies?
A maioria dos animais carrega uma variedade de patógenos — bactérias e vírus que podem causar doenças.
A sobrevivência evolutiva desse patógeno depende da infecção de novos hospedeiros — e pular para outras espécies é uma maneira de fazer isso.
O sistema imunológico do novo hospedeiro tenta matar esses patógenos, o que significa que os dois estão presos em um eterno jogo evolutivo de tentar encontrar novas maneiras de derrotar um ao outro.
Por exemplo, cerca de 10% das pessoas infectadas morreram durante a epidemia de Sars em 2003, em comparação com menos de 0,1% de uma epidemia de gripe “típica”.
As mudanças ambientais e climáticas estão removendo e alterando o habitat dos animais, impactando a maneira como eles vivem, onde vivem e quem come quem.
A forma como os humanos vivem também mudou — 55% da população global agora vivem nas cidades, contra 35% há 50 anos.
E essas cidades mais populosas acabam se tornando moradia para a vida selvagem — ratos, camundongos, guaxinins, esquilos, raposas, pássaros, chacais, macacos. Esses animais passam a viver em espaços verdes como parques e jardins, além de se alimentar dos resíduos que os seres humanos deixam para trás.
Muitas vezes, as espécies de animais selvagens são mais bem-sucedidas nas cidades do que na natureza devido ao abundante suprimento de alimentos, tornando os espaços urbanos um caldeirão para a evolução de doenças.
Quem está mais em risco?
Novas doenças, em um novo hospedeiro, geralmente são mais perigosas, razão pela qual qualquer doença que surge é preocupante.
Alguns grupos são mais vulneráveis a contrair essas doenças do que outros.
Moradores de cidades mais pobres têm maior probabilidade de trabalhar em limpeza e saneamento, aumentando suas chances de encontrar fontes e portadores de doenças.
Eles também podem ter sistemas imunológicos mais fracos devido à má nutrição e exposição ao ar ou condições insalubres. E se adoecerem, talvez não consigam pagar por assistência médica.
Novas infecções também podem se espalhar rapidamente nas grandes cidades, à medida que mais pessoas dividem um espaço cada vez menor — respirando o mesmo ar e tocando as mesmas superfícies.
Em algumas culturas, as pessoas também se alimentam de animais selvagens que vivem nos espaços urbanos ou nos seus arredores.
Como as doenças mudam nosso comportamento?
Até o momento, quase 10 mil casos do novo coronavírus foram confirmados, a imensa maioria na China, e 213 pessoas morreram.
Com os países tomando medidas para conter esse surto, as possíveis consequências econômicas são claras.
As proibições de viagens já estão em vigor e, mesmo sem elas, as pessoas têm medo de interagir caso peguem o vírus, mudando seu comportamento. Torna-se mais difícil atravessar fronteiras, os trabalhadores migrantes sazonais não podem se locomover e as cadeias de suprimentos são interrompidas.
Isso é típico de um surto dessa natureza. Em 2003, a epidemia de Sars custou à economia global US$ 40 bilhões (R$ 170 bilhões) em seis meses. Isso ocorreu em parte por causa do custo do tratamento de pessoas, mas também por causa da redução da atividade econômica e da circulação de pessoas.
O que podemos fazer?
Sociedades e governos tendem a tratar cada nova doença infecciosa como uma crise independente, em vez de reconhecer que são um sintoma de como o mundo está mudando.
Quanto mais alteramos o ambiente, maior a probabilidade de perturbar os ecossistemas e oferecer oportunidades para o surgimento de doenças.
Apenas cerca de 10% dos patógenos do mundo foram documentados; portanto, são necessários mais recursos para identificar o restante — e quais animais os carregam.
Por exemplo, quantos ratos existem em Londres e que doenças eles carregam?
Muitos moradores da cidade valorizam a vida selvagem urbana, mas também devemos reconhecer que alguns animais carregam possíveis doenças.
Faz sentido acompanhar quais animais estão chegando às cidades e se as pessoas os estão matando, comendo ou trazendo para mercados próximos.
Melhorar o saneamento, a eliminação de resíduos e o controle de pragas são formas de ajudar a impedir a ocorrência desses surtos e que se espalhem. Mais amplamente, trata-se de mudar a maneira como nossos ambientes são gerenciados e como as pessoas interagem com eles.
Pandemias fazem parte do nosso futuro
Reconhecer que novas doenças estão surgindo e se espalhando dessa maneira é o primeiro passo para combater novas pandemias, que são uma parte inevitável do nosso futuro.
Há um século, a pandemia de gripe espanhola infectou cerca de 500 milhões de pessoas e matou de 50 a 100 milhões em todo o mundo.
O avanço científico e os enormes investimentos em saúde global proporcionaram um melhor gerenciamento dessa doença no futuro.
No entanto, o risco permanece real e potencialmente catastrófico — se algo semelhante acontecesse novamente, remodelaria o mundo.
Em meados do século passado, alguns alegaram que as doenças infecciosas eram domináveis.
Mas à medida que a urbanização e a desigualdade crescem e as mudanças climáticas desestabilizam ainda mais nossos ecossistemas, precisamos reconhecer as doenças emergentes como um risco crescente.
*Tim Benton é diretor de pesquisa da equipe de Riscos Emergentes da Chatham House, onde chefia o programa Energia, Meio Ambiente e Recursos.
Chatham House, o Instituto Real de Relações Internacionais, descreve-se como um instituto independente de políticas, ajudando a construir um mundo sustentável, seguro, próspero e justo.
Veja também:
Fonte: Terra Saúde