Há uma semana, o Vélez Sarsfield anunciou oficialmente a contratação do atacante Centurión. Ao chegar, porém, o jogador se deparou com uma cláusula nova no contrato: o clube poderá rescindir o vínculo sem custos caso seja comprovado o envolvimento dele em violência de gênero. Em 2017, Centurión agrediu fisicamente sua namorada, e o Vélez quis uma forma de se preservar do dano de imagem.
No Brasil, casos de má conduta no âmbito do futebol relacionados a violência doméstica, sexual, de gênero, homofobia e injúria racial têm ganhado o noticiário e as redes sociais. Tudo isso aumenta a preocupação dos clubes com relação à sua imagem e a de seus patrocinadores. Devido à legislação trabalhista, porém, nem sempre os vínculos podem ser encerrados sem prejuízos aos contratantes.
Os departamentos jurídicos dos clubes têm sido mais assertivos nas cláusulas de proteção à instituição, que preveem sanções e multas aos jogadores que manchem a imagem da associação. Na maioria dos contratos de imagem ? em que os clubes podem colocar até 40% dos vencimentos do atleta ?, há algum tipo de “cláusula moral?, como elas se tornaram conhecidas.
Lição com Caso Bruno
Há uma década, o Flamengo, por exemplo, se viu diante do caso Bruno. A acusação de assassinato de Eliza Samúdio, sem a presença do corpo, impedia que a rescisão imediata do contrato do goleiro saísse sem custos para o rubro-negro. A justa causa só poderia ocorrer depois de condenado e preso.
Desde então, o Flamengo adota a prática das cláusulas de comportamento nos vínculos com os jogadores, com punições que vão de sanções administrativas a rescisões dos direitos de imagem. Abrangem desde questões de violência de gênero à postura dos jogadores nas redes sociais. Procurados pelo GLOBO, Botafogo, Fluminense e Vasco não responderam à consulta.
Alguns desses temas já estão presentes nos códigos disciplinares da Conmebol e da Fifa, como racismo e homofobia, e podem gerar punições. Na CBF, ainda não há atualizações nesse sentido: o STJD trata apenas dos acontecimentos relacionados a campo e bola.
? Por analogia, violência de gênero e assédio podem entrar nesse código. Essa prática chegou ao esporte na última década lá fora. Isso será cada vez mais implementado no Brasil. O que eles postam e fazem fora de campo é tão monetizável quanto o que se faz dentro de campo ? afirma Marcos Motta, especialista em direito internacional.
Um empresário, que pediu para não ser identificado, diz que já é bastante comum a inclusão de cláusulas relativas ao uso de redes sociais, orientando os jogadores a não curtirem posts de equipes rivais, por exemplo.
As cláusulas no Brasil não são tão específicas quanto às propostas pelo Departamento de Gênero do Vélez Sarsfield, que prevê rescisão contratual por justa causa em caso de violência de gênero. Criado em 2018 pela advogada Paula Ojeda, o setor tem um protocolo de ação que trata também de assédios, racismo, machismo e intolerância religiosa.
? Pela primeira vez, conseguimos incorporar a cláusula num contrato profissional, que pode se tornar um modelo para as próximas contratações ? disse Paula, que promove oficinas e palestras com sócios, jogadores e imprensa esportiva para abordar os temas.
No futebol brasileiro, a legislação trabalhista impede que cláusulas com rescisão por justa causa estejam no vínculo. É o caso do goleiro Jean, do São Paulo, que responde a processo nos Estados Unidos por agressão à mulher. Seu contrato foi suspenso até o fim do ano, mas não rescindido como o clube paulista queria. O goleiro foi emprestado ao Atlético-GO.
? Os clubes que rescindem terão de pagar a rescisão tanto na carteira quanto nos 40% do direito de imagem, pois é possível provar o vínculo trabalhista neste tipo de contrato ? diz a advogada Gislaine Nunes. ? Pela Lei Pelé, o atleta só tem de pagar ao clube a cláusula indenizatória quando dá causa à rescisão, no caso de ser preso e não poder comparecer ao trabalho.
Mesmo que CBF e Fifa previssem rescisões de contrato em caso de crime, a lei trabalhista brasileira ainda se sobreporia. É diferente do que ocorre nos EUA. O jogador de beisebol Domingo German, dos New York Yankees, foi suspenso automaticamente por 81 partidas após se envolver em violência doméstica.
? Lá há acordos coletivos entre sindicatos e ligas com força de lei. Não se pode comparar o jogador a um trabalhador comum. A mensagem que ele passa tem um alcance imediato e global, dependendo do caso ? afirma Marcos Motta.
Os clubes também evitam respostas bruscas ao clamor popular. Vice-presidente do Atlético-MG, Lásaro Cândido recorda o caso do equatoriano Cazares, acusado de agredir duas mulheres em 2019. O inquérito policial não foi conclusivo:
? Não podemos esperar decisão da Justiça que demorará anos, mas temos de tomar cuidado com o processo.
O Atlético ficou menos exposto no caso Robinho. Em novembro de 2017, a Justiça italiana condenou o atacante a 9 anos de reclusão por estupro coletivo, em primeira instância. O clube não tomou atitude imediata. Esperou o contrato do jogador acabar, no fim daquele ano, e não renovou o vínculo.
Fonte: O Globo