O Campeonato Carioca de 2020 começa sábado e nem todos os estádios serão capazes de receber jogos noturnos por falta de iluminação. Pois há 106 anos, o Vila Isabel Futebol Clube, clube que já participou oito vezes da primeira divisão do Estadual, agitou a cidade e o bairro de mesmo nome, na Zona Norte do Rio, para a realização do primeiro jogo de futebol noturno do Brasil. Contam as páginas dos jornais da época que a noite de 5 de setembro de 1914 foi gloriosa no campo do extinto Jardim Zoológico de Vila Isabel – o mesmo local em que foi criado o Jogo do Bicho, onde o time mandava seus jogos – com a presença do prefeito da cidade e até de um ex-presidente da República, Nilo Peçanha, que então era senador.

O jogo noturno do Vila Isabel de 1914 foi de dar inveja, por exemplo, ao Madureira de 2020 – que terá que mandar seu jogo contra o Botafogo, pela 2ª rodada, às 16h de uma terça, pela falta de iluminação em Conselheiro Galvão. Na época, às 21h, viu-se, graças a míseras 12 lâmpadas e três mil velas ao redor do campo, o time da casa golear uma seleção de Campos dos Goytacazes por 4 a 0, numa grande história de um futebol que já acabou.

Vila Isabel acabou, mas antes participou da fundação da escola de samba de mesmo nome Foto: Reprodução
Vila Isabel acabou, mas antes participou da fundação da escola de samba de mesmo nome Foto: Reprodução

Acabou porque o Vila Isabel é um de 30 clubes que já jogaram o Campeonato Carioca e não existem mais: foram completamente extintos. Agremiações e escudos que nasceram, jogaram na elite do estadual em algum momento, e por algum motivo desapareceram completamente do mapa – menos do que ilustra esta reportagem. Os clubes ali listados são só a ponta de um iceberg que derreteu ao longo de vários verões cariocas: no total, a reportagem encontrou nada menos do que 186 agremiações que já jogaram alguma divisão ou campeonato de futebol no estado do Rio e acabaram, deixando para trás uniformes, sedes e torcidas. Também há outros dez clubes que já disputaram a elite do Estadual e ainda existem, mas não têm departamento de futebol profissional. Um exemplo é o Paissandu, que tem sede ativa no Leblon e, além de ser um ex-time é um ex-campeão carioca: venceu em 1912.

Da elite ao ?m
Clubes que jogaram a 1ª divisão do Carioca e desapareceram
19
21
23
RAMOS
24
BANGU
26
MADUREIRA
18
10
9
16
25
6
7
14
8
15
MÉIER
11
20
3
12
27
NITERÓI
5
17
13
22
CAMPO
TIJUCA
2
29
30
GRANDE
28
GÁVEA
BARRA DA
TIJUCA
SYRIO e LIBANEZ*
ANDARAHY
BRASIL
MANGUEIRA
VILA ISABEL
1
2
3
4
5
CLUBE
1921/Anos 30
1909/1973
1912/Anos 30
1906/1927
1912/Anos 40
FUNDAÇÃO/EXTINÇÃO
BAIRRO
Tijuca
Andaraí
Urca
Tijuca
Vila Isabel
PARTICIPAÇÕES
20
10
8
8
5
(1925 E 26/1928-30)
(1916-24 E 1927-37)
(1924-33)
(1909, 12-13, 17-20 E 24)
(1917-20, 24 E 26-28)
RIACHUELO
PALMEIRAS
CONFIANÇA
MODESTO
MAVÍLIS
6
7
8
9
10
CLUBE
1905/1911
1911/Anos 20
1915/1993
1913/Anos 40
1915/Anos 80
FUNDAÇÃO/EXTINÇÃO
BAIRRO
Riachuelo
São Cristóvão
Aldeia Campista
Quintino
Caju
PARTICIPAÇÕES
3
2
2
2
2
(1908-10)
(1920 E 24)
(1924 E 33)
(1924 E 35)
(1933 E 34)
11
12
13
14
15
HADDOCK LOBO
S. C. AMERICANO*
FOOTBALL & ATHLETIC
HELLÊNICO*
NITERÓI
CLUBE
1908/1911
1911/1934
1904/1910
1916/Anos 36
1944/1983
FUNDAÇÃO/EXTINÇÃO
BAIRRO OU CIDADE
Tijuca
Centro, V. Isabel e Lapa
Andaraí e Engenho Velho
Centro
Niterói
PARTICIPAÇÕES
2
2
2
2
2
(1909 E 10)
(1912 E 13)
(1906-07)
(1924 E 25)
(1979 E 80)
CAMPO GRANDE*
FLUMINENSE
PROGRESSO
INDEPENDÊNCIA
AMERICANO F.C.*
16
17
18
19
20
CLUBE
1908/Anos 30
1921/1980
1914/1925
1907/Anos 20 ou 30
1918/Anos 30
FUNDAÇÃO/EXTINÇÃO
BAIRRO OU CIDADE
Campo Grande
Nova Friburgo
São Francisco Xavier
Engenho de Dentro
Vila Isabel e Méier
PARTICIPAÇÕES
1
1
1
1
1
(1924)
(1979)
(1924)
(1924)
(1924)
21
22
23
24
25
RAMOS
ESPERANÇA
FIDALGO
METROPOLITANO
SÃO PAULO-RIO
CLUBE
1917/Anos 40
1905/ Anos 40
1914/1933
1918/ Anos 30
1910/Anos 30 ou 40
FUNDAÇÃO/EXTINÇÃO
Ramos
Bangu
Madureira
Méier
BAIRRO
Botafogo
PARTICIPAÇÕES
1
1
1
1
1
(1924)
(1924)
(1924)
(1924)
(1924)
GERMÂNIA*
EVEREST*
CATTETE
INTERNACIONAL
PAULISTANO
26
27
28
29
30
CLUBE
1915/Anos 30
1909/1919
1904/Anos 20
1910/1915
1910/1917
FUNDAÇÃO/EXTINÇÃO
BAIRRO
Inhaúma
Catete
Botafogo
Botafogo
Jardim Botânico
PARTICIPAÇÕES
1
1
1
1
1
(1924)
(1912)
(1912)
(1912)
(1912)
*Não correspondem aos clubes ativos de mesmo nome

Da elite ao ?m
Clubes que jogaram a 1ª divisão do
Carioca e desapareceram
ANDARAHY
BRASIL
CLUBE
1909/1973
1912/Anos 30
FUNDAÇÃO/EXTINÇÃO
BAIRRO
Andaraí
Urca
PARTICIPAÇÕES
20
10
(1916-24 E 1927-37)
(1924-33)
MANGUEIRA
VILA ISABEL
SYRIO e LIBANEZ*
1921/Anos 30
1906/1927
1912/Anos 40
Tijuca
Tijuca
Vila Isabel
5
8
8
(1925 E 26/1928-30)
(1909, 12-13, 17-20 E 24)
(1917-20, 24 E 26-28)
RIACHUELO
PALMEIRAS
CONFIANÇA
1905/1911
1911/Anos 20
1915/1993
Riachuelo
São Cristóvão
Aldeia Campista
3
2
2
(1908-10)
(1920 E 24)
(1924 E 33)
NITERÓI
MODESTO
MAVÍLIS
1913/Anos 40
1944/1983
1915/Anos 80
Quintino
Niterói
Caju
2
2
2
(1924 E 35)
(1979 E 80)
(1933 E 34)
HADDOCK LOBO
S. C. AMERICANO*
FOOTBALL & ATHLETIC
1908/1911
1911/1934
1904/1910
Tijuca
Centro, V. Isabel e Lapa
Andaraí e Engenho Velho
2
2
2
(1909 E 10)
(1912 E 13)
(1906-07)
CAMPO GRANDE*
HELLÊNICO*
AMERICANO F.C.*
1908/Anos 30
1907/Anos 20 ou 30
1916/Anos 36
Campo Grande
Engenho de Dentro
Centro
1
1
2
(1924)
(1924)
(1924 E 25)
FLUMINENSE
PROGRESSO
INDEPENDÊNCIA
1921/1980
1914/1925
1918/Anos 30
Nova Friburgo
São Francisco Xavier
Vila Isabel e Méier
1
1
1
(1979)
(1924)
(1924)
RAMOS
ESPERANÇA
SÃO PAULO-RIO
1917/Anos 40
1905/ Anos 40
1910/Anos 30 ou 40
Ramos
Bangu
Botafogo
1
1
1
(1924)
(1924)
(1924)
FIDALGO
METROPOLITANO
EVEREST*
1914/1933
1918/ Anos 30
1915/Anos 30
Madureira
Méier
Inhaúma
1
1
1
(1924)
(1924)
(1924)
GERMÂNIA*
CATTETE
INTERNACIONAL
PAULISTANO
1909/1919
1904/Anos 20
1910/1915
1910/1917
Catete
Botafogo
Botafogo
Jardim Botânico
1
1
1
1
(1912)
(1912)
(1912)
(1912)
*Não correspondem aos clubes ativos de mesmo nome

Entre os 30 desaparecidos que chegaram à elite, os motivos de extinção são variados. Há muitos casos de fusão com outros times, como do Fidalgo F.C., que se uniu a seu rival, o Magno F.C., para formar o Madureira A.C., que no futuro seria o mesmo Madureira  E.C. que estreará amanhã no campeonato contra a Portuguesa. Há também os que foram engolidos pelo progresso da cidade, como o Esperança F.C., uma dissidência do Bangu que nem de longe foi o último a morrer: fundado em 1905, desapareceu na década de 40 porque as obras para a construção da Avenida Brasil passaram por cima de sua sede.

A maioria, porém, desapareceu por dificuldades financeiras e estruturais, agravadas depois que os grandes clubes do Rio adotaram o profissionalismo nos anos 30. O Vila Isabel, por exemplo, seguiu esta turma: amador, foi perdendo importância aos poucos, e teve como último momento de glória apoiar e participar a criação da Unidos de Vila Isabel, escola de samba que, aos poucos virou a agremiação favorita do bairro.

Imagem de revista da época destaca o Vila Isabel Foto: Reprodução
Imagem de revista da época destaca o Vila Isabel Foto: Reprodução

 

CONFIANÇA: ANTIGA SEDE VIRA QUADRA DO SALGUEIRO

Ainda que no amadorismo, o Confiança Atlético Clube, que disputou a primeira divisão do Carioca em 1924 e 1933, é um dos que mais resistiu à extinção, e curiosamente também tem seu fim ligado a uma escola de samba. Clube de operários da Fábrica de Tecidos Confiança – aquela cantada por Noel Rosa na música “Três apitos” – tinha seu campo e sede na Rua Silva Teles, 104, no Andaraí, perto da fábrica, que ficava onde hoje funciona um grande supermercado.

Em 1956, a fábrica foi comprada pelo Grupo Abdalla e os novos donos não tinham interesse na manutenção do clube. Uma disputa judicial entre o Confiança e os empresários se arrastou por quase 40 anos. No meio do litígio, em 1976, quando a Justiça já ordenara a reintegração de posse do clube pela fábrica, o Confiança conseguiu o apoio de um dirigente dos Acadêmicos do Salgueiro, escola de samba da comunidade próxima. Juntos, conseguiram uma liminar para manter o time no local, e em troca, o campo seria utilizado para os ensaios da escola.

Aos poucos, com o crescimento do samba e decadência do futebol naquelas bandas, a sede do Confiança foi virando sede do Salgueiro, as cores do quadricolor (verde, vermelho, preto e amarelo) foram dando lugar ao vermelho e branco com aluguel do espaço à escola. No fim, as agremiações até brigaram pelo espaço, e a questão só foi resolvida em 1993 pelo então prefeito César Maia, que em decreto reconheceu a importância histórica do decadente clube e a cultural da escola, que ganhou o Carnaval naquele ano. Ficou estabelecida uma Área de Proteção Cultural no local, uma alternativa ao tombamento. Na prática, o Confiança, em crise, acabou extinto ao ceder sua filiação na FERJ (Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro) a um projeto de clube-empresa da Barra. E sua antiga sede hoje abriga a Vila Olímpica do Salgueiro e parte da famosa quadra da escola de samba. A arquibancada de madeira construída em 1915, uma das primeiras do país, segue no local e pode ser observada por qualquer pessoa que vá a um ensaio.

MANGUEIRA: MAIOR GOLEADA DO FUTEBOL BRASILEIRO

O fim das antigas grandes fábricas que incentivavam os clubes foram a causa – direta ou indireta – da extinção de muitos dos 30 times. Grande parte deles tinha origem operária, como o Confiança, o Villa Isabel e o mais famoso dos extintos, o Andarahy Athletico Club (20 estaduais disputados, o recordista), o time de Don-Don. Outro conhecido clube que não existe mais é o Sport Club Mangueira (oito participações), e ao contrário do que o nome sugere, não ficava na comunidade da escola de samba homônima. O Mangueira tinha sede na Tijuca, e levava esse nome justamente por ser o clube dos operários da Fábrica de Chapéus Mangueira, no mesmo local. Como os trabalhadores moravam no morro próximo ao Maracanã, o local também passou a ser conhecido como Mangueira, nome que batizaria a escola verde e rosa, fundada em 1928, um ano após o fim do clube de futebol.

O Mangueira ficava na Tijuca, bairro com grande concentração de clubes no começo do século XX Foto: Reprodução
O Mangueira ficava na Tijuca, bairro com grande concentração de clubes no começo do século XX Foto: Reprodução

 

Se a escola ficou conhecida pelas glórias na Sapucaí, o Mangueira ficou famoso pelos vexames em campo: sofreu a maior goleada da história do futebol brasileiro, 24 a 0 para o Botafogo, no Carioca de 1909. Três anos depois, o “rubro-negro da Tijuca” tomou um 16 a 2 para o Flamengo que até hoje é a maior goleada já aplicada pelo time da Gávea. Se o clube foi extinto, os recordes fazem seu nome ser lembrado na história. Ainda que em dias para serem esquecidos.

Mangueira ficou marcado por maior goleada da história do Carioca Foto: Reprodução
Mangueira ficou marcado por maior goleada da história do Carioca Foto: Reprodução

INDEPENDÊNCIA FC: UM TIME ILUMINADO

Fundado em 1918 por funcionários da Cia. Light and Power (que no futuro viraria a atual Light), o Independência levou ao Carioca de 1924 seu escudo que lembra em muito a bandeira dos EUA, em vermelho, azul e branco, com estrelas. De quebra, a data de fundação, 4 de julho, é a mesma da Independência americana. Não é coincidência: muitos dos jogadores e fundadores eram norte-americanos, responsáveis pelo começo da distribuição de energia elétrica na cidade.

Jogadores do Independência eram basicamente vindos dos Estados Unidos Foto: Reprodução
Jogadores do Independência eram basicamente vindos dos Estados Unidos Foto: Reprodução

 

EVEREST: INHAÚMA NA FRENTE DA SELEÇÃO

Postulante ao título carioca em 1924, o Sport Club Everest nada tem a ver com o Everest Atlético Clube, que ainda existe em Inhaúma, Zona Norte do Rio, uma das sedes do antigo clube. Time nômade que andou também pelo Estácio, Tijuca e Méier, sempre vestindo amarelo, o Everest tinha um carinhoso apelido que ganharia outro dono após sua extinção: “Canarinho?. Décadas depois, a seleção brasileira passou a vestir a mesma cor e herdou a alcunha que a fez conhecida em todo o mundo.

Antigo Everest ficava em Inhaúma, Zona Norte do Rio Foto: reprodução
Antigo Everest ficava em Inhaúma, Zona Norte do Rio Foto: reprodução

PAULISTANO FC: FORASTEIROS INDECISOS

Em apenas cinco anos de vida, o Paulistano teve três sedes: Lapa, Botafogo e depois no Centro. No Carioca de 1912, começou jogando de camisa listrada, preta e branca, mas mudou para uma toda branca para não ficar parecido com o Botafogo. Era um clube de funcionários públicos de São Paulo que vieram ao Rio trabalhar na, à época, capital federal. Acabou porque se juntou ao C.R. Boqueirão do Passeio, que mesmo sem futebol, existe até hoje na Glória.

Paulistano era composto por paulistas moradores da então Capital Federal Foto: Reprodução
Paulistano era composto por paulistas moradores da então Capital Federal Foto: Reprodução