A sensação de parte da torcida do Flamengo de que o jovem Reinier foi vendido barato para o Real Madrid foi compartilhada pelo técnico Jorge Jesus. Em uma bancada de televisão em Portugal, o treinador criticou a diretoria por ter aceitado apenas 30 milhões de euros, cerca de R$ 135 milhões. O comentário foi feito no contexto de uma reflexão sobre valorização da marca do clube internacionalmente.

? O Flamengo, que é uma marca mundial, ainda não sabe valorizar sua marca. Um jogador como o Reinier não pode ser vendido por 30 milhões de euros. Nisso, o Benfica é espetacular. Muitas vezes vende o jogador mais caro do que vale. O Flamengo ainda não sabe valorizar os seus jogadores ? disse Jesus, à rede “CMTV”.

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A declaração pareceu de fato mais um comentário de um torcedor do que de um profissional que vive o futebol. E viveu a realidade do Flamengo no último ano, quando Reinier subiu ao profissional e teve o contrato renovado como estratégia para ser vendido por uma quantia interessante.

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O modelo de venda foi semelhante ao que aconteceu recentemente com Lucas Paquetá e Vinicius Júnior. Principalmente este último, que renovou seu contrato antes de fazer 18 anos, e quando completou a maioridade seguiu para o Real Madrid por 45 milhões de euros.

Pode-se questionar se Vinicius e seus representantes foram mais parceiros do Flamengo do que Reinier. O atacante, que já joga no time principal do Real Madrid, tinha uma multa alta, mas renovou subindo ainda mais o valor, e o total pago de forma excedente pelo clube espanhol acabou dividido entre atleta e Flamengo.

No caso de Reinier, o procedimento foi um pouco diferente. Mas não faltou boa vontade do atleta e seu estafe com o clube. O jogador inclusive esperava ser liberado para atuar na equipe principal antes de seguir para a Espanha, mas terá que se apresenta no time B.

O contrato do meia-atacante foi renovado em novembro de 2019. Na ocasião, a multa era de 70 milhões de euros. O Flamengo colocou a ampliação como prioridade para não perder o jogador de graça. Com o vínculo anterior até o fim de 2020, Reinier poderia assinar um pré-contrato com qualquer clube a partir de junho.

Ciente do cenário, os empresários do jogador e o Flamengo entenderam que o valor de 30 milhões de euros para a nova multa atenderia aos anseios do mercado. Na realidade, àquela altura já havia sinalização do Real Madrid e de outros gigantes europeus de que o valor seria transformado em proposta oficial e a transferência, paga.

Flamengo e Reinier amplicaram o vínculo até 2024 de forma protocolar em termos de prazo. O movimento manteve o jogador ligado ao clube rubro-negro, que voltou com força à mesa de negociações para receber pelo seu ativo.

Mesmo assim, o Flamengo terá 80% da venda, pois 20% é de Reinier e seus empresários. O que também foi acordado na renovação, visto que a operação no momento do novo acordo era controlada tanto pelo clube quanto pelo jogador.

A estratégia nesses casos costuma ser negociar o quanto antes a renovação do contrato. Mas nem todos os atletas cedem às pressões e adiam esta negociação, justamente para que possam influenciar na saída, se esta for o desejo.

No caso de Paquetá, vendido ao Milan, o Flamengo tentou a renovação o ano de 2018 inteiro, mas o jogador não quis, e saiu por metade do valor da multa. A situação gerou até inquérito na Gávea através dos dirigentes que acabaram vencendo a eleição.

O Conselho Deliberativo questionou a diretoria na época e a acusou de abrir mão da multa. A manobra política se mostrou apenas um ato de pirotecnia eleitoral, e o caso não foi adiante. Até porque o valor obtido com a transação foi bom, 35 milhões de euros, inclusive maior do que o de Reinier.

Nesses casos, de todo modo, exigir um valor mais alto, fora da oferta e procura do mercado, normalmente cria um imbróglio entre jogador e clube. O atleta quer sair, a diretoria força a barra para ficar, e ninguém fica satisfeito.

O que aconteceu com Reinier foi um acordo de mercado normal, tratado por especialistas dessa forma. Jorge Jesus, que demonstrou toda sua capacidade técnica com os títulos conquitados, indnicou que não está por dentro desses pormenores quando se trata de futebol brasileiro.

“Se não for um ‘diferente’, multa serve para balizar e não para inviabilizar uma transação. Quando hora da transferência chega, a busca é pelo cenário mais favorável, vez que o cenário perfeito não existe no topo da pirâmide dos negócios”, afirma o advogado Marcos Motta, especialista em transferências internacionais, que trabalha para o Flamengo em algumas negociações.